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Impressões sobre a vida e seus arredores

Pavor de público

Quando ficamos diante do monstro de mil olhos

Por Raul Drewnick
Atualização:

Quando, em 1994, saiu meu primeiro livro juvenil na série Vaga-Lume, da editora Ática, e disseram-me que provavelmente eu passaria a ser convidado para bate-papos em colégios, fiz três coisas, nesta exata ordem: tremi, tremi e tremi.

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Eu - o mais tímido dos homens - enfrentando plateias, expondo-me em auditórios? Eu, que toda manhã cortava a barba sem olhar para o espelho, para não encarar aquele homem calvo que imitava todos os meus gestos, para me humilhar?

Não, aquilo não estava certo. Por que não tinham me dito antes? Ou eu me pronunciava naquele instante ou... não queria nem pensar.

"Eu não posso fazer isso", consegui dizer.

"Fazer o quê?", perguntou minha editora, Carmen Lucia, preocupada porque eu devia estar dando a impressão de que ia desmaiar.

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"Essa história de palestras."

"Palestras?"

"É, nos colégios."

"Eu disse bate-papos."

O esclarecimento não me tranquilizou. Com as pernas tremendo, eu continuava pronto para desempenhar o papel de escritor que desmaia. Antes de cair e me esparramar na sala da editora, tive forças para perguntar:

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"Isso está no contrato?"

"As pa... os bate-papos?"

"É."

Ela sorriu. Disse que eu aceitaria os convites somente se quisesse. Ufa! A cena de desmaio estava riscada.

Tudo isso para dizer o seguinte: de 1994 para cá, tenho recebido convites de colégios, aceitei todos e... gostei. Gostei tanto que hoje sou um viciado em bate-papos. Nenhum tipo de público, nenhuma situação me intimidam.

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Certa vez, sem estar preparado, me vi numa classe de meninos e meninas de cinco a seis anos (geralmente a idade, nesses encontros, é de treze a dezesseis anos).

O que fazer? Sentei-me no chão e perguntei:

"Querem saber o que me aconteceu?"

A meninada, felizmente, aderiu:

"O que foi?"

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"Ontem eu estava em casa, fui abrir uma gaveta do armário e ela me caiu no pé."

Os meninos me olharam, desconfiados. A diretora e as professoras tinham dito a eles que eu era um contador de histórias, e eu vinha com aquela de gaveta? O silêncio me gelou inteiro. Até que uma menina ergueu a mão:

"Tio, sabe o que me aconteceu? Hoje eu estava em casa, fui abrir uma gaveta e ela caiu no meu pé. Está doendo até agora."

A partir daí, outras mãos foram se levantando e novas histórias foram contadas, sobre a falta de educação das gavetas. Sei que a meia hora programada de bate-papo se escoou e ainda havia mãos erguidas.

Guardei essa história para qualquer emergência. Ah, que bom era o tempo em que se podia falar de Monteiro Lobato para crianças.

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