PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Impressões sobre a vida e seus arredores

Destino, qual é a tua?

Nós o fazemos ou é ele que nos faz?

Por Raul Drewnick
Atualização:

pixabay Foto: Estadão

O destino de todos os amores é o de serem sempre representados por um nome que, encontrado vinte anos depois numa agenda, deixa dúvidas em quem o lê. Quem terá sido mesmo Raul? O sujeito que vivia contando sílabas poéticas nos dedos, o cara que cutucava a orelha com o mindinho ou o que dizia ser o bigode o último e periclitante símbolo de masculinidade?

PUBLICIDADE

+ Ao semideus Jorge Luis Borges o destino, por pilhéria, deu todos os livros de Buenos Aires quando ele já não podia ler nenhum. A mim, porque o sofrimento cabe também aos mortais, o destino, zombeteiro e cruel, propôs o desafio de, já com os ouvidos preparados para as dolorosas notas do réquiem, tentar reaprender os jubilosos sons da poesia, como se fosse um menino descobrindo os encantos da vida.

+ Ela viria num trem, viria num navio, viria a pé talvez. Era possível que, sem ele saber, ela fosse vizinha sua e o destino a estivesse reservando para um dia especial, o dia dos dias, um em que a primavera fosse mais primavera. Ela viria, se ele pudesse crer nos livros que lera e naquela doce aflição no peito que, desde menino, lhe tinham dito ser poesia.

+ Na rua um menino, arrastado pelo pai para a escola, chora. Chega-me à janela seu choro, sua aflição.Talvez tenha saudade da mãe, da avó, talvez os garotos mais velhos zombem dele. Tenho vontade de descer e dizer-lhe alguma palavra de conforto. De que adiantaria? A mim disseram palavras de conforto quando eu me sentia o mais infeliz dos meninos do mundo. Garantiram-me que todas as dores passavam. Deveriam ter-me dito que odestino dos meninos é se tornarem homens, e que o destino dos homens é sofrer.

+ Se é verdade que cada um faz o seu destino, tenho uma queixa: não sou importante, longe disso, mas bem que poderiam ter-me designado um administrador melhor que eu.

Publicidade

+ Pegou a mão da mulher como se fosse um gesto simples, casual, e virou a palma para cima. "O que é?", perguntou ela, "você vai me fazer cócegas?" Ele disse que não, que ia ler a sorte dela, mas naquelas linhas o que ele pretendia, mesmo, era encontrar algo que o tranquilizasse. Receava ver ali a previsão de uma viagem longa que o destino houvesse preparado para ela num navio branco, muito branco, que deslizasse pelo mar como um cisne e cujo capitão fosse um empertigado espanhol de olhos azuis e cabelos de derramado ouro, que nem o altivo boné conseguisse disfarçar.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.