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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Você já caiu num golpe? (fique tranquilo, você não está sozinho)

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Atualização:

Recebi ontem em meu consultório uma ligação pitoresca, que transcrevo a seguir:

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- Sr Daniel, aqui é o Mateus do Cartório de Suzano, estou entrando em contato no seu consultório por conta de 9 títulos que serão protestados agora meio-dia por falta de pagamento. - Sério? De que empresa? - A empresa que vai protestar seu nome é o Guia Comercial, o Sr já ouviu falar? - Já ouvi falar de um golpe que estão dando desse jeito... - Ah é? E você tem voz de mulher!

O final da conversa só foi assim divertido porque eu desconfiei da ligação e lembrei-me de já ter ouvido falar de um esquema semelhante. Repare que eu nem cheguei a acusar diretamente meu interlocutor de estar dando o golpe, mas ele acabou se entregando.

Embora seja fácil pensar que só os outros são vítimas de golpes, que isso é coisa de gente tola, estima-se que algo entre 10 e 20% da população nos países de língua inglesa já tenha caído em alguma armadilha desse tipo. É muita gente para acharmos que são todos mais bobos que a média.

Pesquisas recentes vêm mostrando que os bandidos por trás desses crimes exploram intuitivamente alguns defeitos de nosso processamento de informações, fazendo com que ser enganado por eles seja mais natural do que imaginamos. Nosso processo de tomada de decisão no dia-a-dia é muito menos racional e muito mais intuitivo, já que utilizando apenas pedaços de informação nosso cérebro monta um quadro e decide muito rapidamente, sem que sequer tenhamos consciência do processo todo. Mas esse mecanismo evoluiu para nos permitir lidar com realidades simples e os problemas concretos que enfrentávamos nas cavernas, revelando-se nem sempre preciso para a complexidade da vida atual.

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Ainda que diferentes esquemas tenham diferentes desenhos, seus principais trunfos geralmente são atingir emoções fortemente arraigadas em nossa mente, como medo de perda ou de dor física, ganância, inveja, solidão, laços familiares etc. Num golpe bem montado, a primeira coisa que surge em nós é uma reação emocional intensa, que de cara já pode turvar em parte o raciocínio. Essa estratégia é normalmente potencializada com o apelo a autoridade, fazendo a vítima crer que há um órgão oficial, poderoso e importante em nome de quem o bandido está falando. Por fim, o fator "escassez" (que tem muita força em nosso cérebro de caçadores-coletores) é também frequentemente utilizado, seja dizendo que há pouco tempo para agir ou que haverá poucas oportunidades como aquela, ou que a oferta é exclusiva.

Finalmente, é importante saber que o maior fator de risco para cair num golpe é já ter caído antes: embora as vítimas preferenciais não sejam mais tolas do que a média, tendem a ser mais persuasíveis, deixando-as mais vulneráveis. Quando o assunto é o conto do vigário, parece ser frequente um raio cair duas vezes no mesmo lugar.

University of Exeter School of Psychology. The psychology of scams: Provoking and committing errors of judgement Prepared for the Office of Fair Trading. 2009.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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