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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Violência em SP - por que não passa

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Atualização:

A onda de violência que estamos testemunhando em São Paulo há mais de seis meses não dá sinais de arrefecimento - os policiais e os criminosos matam-se mutuamente, e o cidadão morre por vezes confundido com bandidos, por outras vítimas de acertos de contas espúrios. Afora questões de segurança pública, inteligência policial e políticas de combate ao crime, há outras razões, muito mais pessoais, que ajudam a explicar por que tal situação se arrasta há tanto tempo e não parece que irá diminuir tão cedo.

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Em primeiro lugar, os crimes ainda estão circunscritos às regiões mais periféricas, relativamente distantes da classe média, que tem maior poder de pressão. Temos grande dificuldade - talvez até vergonha - em admitir, mas a morte nos bairros centrais choca muito mais do que na periferia. A distância mental que separa esses dois universos é ainda maior do que a geográfica, impedindo que a indignação se transforme em empatia genuína e leve a cobranças mais efetivas para que algo seja feito.

Independente da distância a que está da violência, no entanto, a população em grande parte acredita que a polícia não está de todo errada em recorrer à violência. Numa das maiores pesquisas já realizadas sobre o tema, menos da metade dos brasileiros achava que matar um criminoso depois de prendê-lo é uma ação sempre errada dos policiais. E quanto menor o grau de escolaridade (o que apresenta uma relação direta com as regiões onde os crimes se concentram) mais as pessoas tendem a apoiar essa atitude.

Por fim, a metáfora da guerra, que impregnou indelevelmente a atual escalada de assassinatos, levanta mais uma barreira mental para a busca de políticas que fujam da lógica da violência. Comprovadamente as metáforas que utilizamos para descrever cenários interferem com as saídas que antevemos: sujeitos a quem se apresenta um cenário de aumento de criminalidade comparado-a a uma epidemia pensam em soluções como prevenção e identificação das causas do crime. Já quando o mesmo contexto é comparado a um predador à solta, as medidas propostas são muito mais de repressão e encarceramento. Nós estamos agora pensando em guerra, e na guerra o objetivo nunca é apenas fazer prisioneiros.

O panorama é em tudo adverso para a busca de soluções: as pessoas menos afetadas, mas com maior poder de mudança, não se compadecem; as mais atingidas não condenam totalmente ações que perpetuam o problema; e todos achamos que o momento é de matar ou morrer. Para além das ações do poder público, creio que precisemos rever algumas atitudes privadas.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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