PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Psiquiatria e sociedade

Opinião|Transtornos mentais e violência

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:

Mudando completamente de assunto para tratar exatamente da mesma coisa, acho importante discutir alguns aspecto da relação entre violência e transtornos mentais sem medo de falar a verdade e sem preconceitos para qualquer um dos lados.

PUBLICIDADE

Em primeiro lugar, pacientes com transtornos mentais graves estão muito mais sujeitos a serem vítimas de violência do que a população geral. Num estudo feito em meados dos anos 2000, avaliando o impacto da desinstitucionalização (redução dos leitos psiquiátricos disponíveis, priorizando o atendimento em comunidade) nos EUA, foram entrevistados quase 1000 pacientes psiquiátricos com transtornos graves, pesquisando seu envolvimento em situações de violência nos últimos 12 meses. Os resultados foram preocupantes, pois mais do que um quarto dos pacientes havia sido vítima de um crime violento no período, média 11 vezes maior do que a encontrada na população geral da mesma região. E dependendo do tipo de crime, a prevalência chegou a ser 23 vezes maior entre a população psiquiátrica. Isso mostra que doença mental é claramente um fator de risco para a vitmização, e que sem um aparelho de atenção à saúde mental muito bem estruturado na comunidade (vale lembrar que o estudo foi feito em Chicago, não numa pequena cidade de um país em desenvolvimento), programas de alta hospitalar conduzidos atabalhoadamente podem ser muito prejudiciais. (Não, eu não sou a favor de manicômios. Mas também sou contra a desassistência).

Por outro lado, não podemos fechar os olhos para um dado que está por trás do preconceito com os doentes mentais: condições psiquiátricas graves apresentam sim um risco um pouco maior de tornar as pessoas violentas. Falar isso é se arriscar a ser criticado, como se eu endossasse preconceitos, mas apesar de ser bem conhecida minha missão de vida de reduzir o estigma do doente mental e a combater a associação entre doença mental e violência, não me proponho a mentir ou distorcer os fatos nessa empreitada. Acaba de sair uma pesquisa feita na Universidade da Flórida utilizando dados colhidos em duas etapas (de 2001 a 2003 e de 2004 a 2005), entrevistando mais de 30.000 pessoas sobre a presença de transtornos mentais e envolvimento em atitudes violentas. Os resultados apontam para uma relação pequena, mas consistente, entre o risco de violência e transtornos mentais graves.

O mais importante, no entanto, é a forma de interpretar os resultados desses estudos. Ok, há um risco mais elevado de haver violência cercando os pacientes psiquiátricos graves, o que é compreensível dada sua condição mental. Mas fica claro que o maior risco para eles é de ser vítimas, e uma assistência adequada pode prevenir muitas vezes que eles se tornem objetos ou agentes de atos agressivos.

Mas mais importante do que tudo, dois fatos não podem ser negados: 1 - a maioria dos pacientes nunca comete qualquer ato de violência, e, portanto, não se justifica ter medo de "doentes mentais"; e 2 - na sociedade, a maioria dos atos criminosos e violentos são cometidos por pessoas sem qualquer diagnóstico psiquiátrico (caso contrários não precisaríamos de prisões, só de hospitais).

Publicidade

Que sempre lembremos disso na luta para a extinguir preconceitos.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.