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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Se beber não salve a rainha

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Atualização:

- Meu nome é Bond. James Bond... E eu tenho problemas com a bebida. - Bem vindo James Bond! Essa improvável abertura de uma reunião dos alcoólicos anônimos no Reino Unido viria bem a calhar no caso do famoso espião com licença para matar. De acordo com um divertido estudo publicado há menos de um mês, a quantidade de álcool ingerida por Bond traria riscos de depressão, cirrose, hipertensão arterial e até impotência a uma pessoa real.

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Ao longo dos 14 livros protagonizados por ele, 123.5 dias são retratados, e em 87.5 deles o agente secreto tinha acesso a bebidas (nos outros estava preso ou hospitalizado). Os autores calculam que ele tenha ingerido 1150.15 unidades de álcool (cada unidade é equivalente a 10 ml de álcool puro). Dos dias em que poderia ter bebido, Bond manteve abstinência em apenas 12, atingindo a média de 13 unidades de álcool consumidas por dia - para dar uma ideia, uma garrafa inteira de vinho tem 3 unidades aproximadamente, e uma dose de destilado, 1.5 unidade.

Indo mais longe, os pesquisadores aplicaram a ele o questionário CAGE, que em quatro perguntas rápidas indica a chance de a pessoa ter problemas com a bebida. São elas: Você já sentiu que tinha que reduzir o quanto bebe? Você se incomoda quando as pessoas criticam seu hábito de beber? Você se sente culpado pelo tanto que bebe? Você tem que beber logo cedo para se acalmar ou reduzir a ressaca? A partir de duas respostas positivas é recomendado procurar um tratamento para identificar o tamanho do problema, e nos livros de Bond os autores identificaram pelo menos 3 respostas positivas. O pior é que em várias ocasiões ele bebia e saía dirigindo, sofrendo um acidente que o deixou suas semanas num hospital na história Cassino Royale, ao se engajar numa perseguição após beber 39 unidades de álcool.

Claro que a análise de personagens é mais um exercício teórico do que uma tentativa de diagnóstico séria. Como tive o privilégio de escrever com o colega Táki Cordás no prefácio do livro Personagens ou Pacientes? - Clássicos da Literatura Mundial para Refletir sobre a Natureza Humana, no qual convidamos vários profissionais da saúde mental para analisar romances, contos, poemas e até quadrinhos, "por serem obras de arte é claro que não se espera delas (...) uma descrição clínica precisa. Mas, ecoando Freud, essa abordagem - ainda que imprecisa - é inescapável ao profissional de saúde mental pela ampliação da visão que nos possibilita". Nessa linha o caso de James Bond é interessante, já que nos faz lembrar que pessoas com grande necessidade de adrenalina como ele têm um perfil de risco para dependências químicas em geral. Por mais que as admiremos, não custa estar atento.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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