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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Salve-se quem puder

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[tweetmeme] Os pesquisadores estão cansados de mostrar que uma coisa é perguntar no laboratório "O que você faria em tal situação", e outra bem diferente é ver o que acontece na prática. As pessoas dão menos dinheiro do que imaginam que dariam, os religiosos ajudam os outos menos do que aconselham que se faça e assim por diante.

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Agora os economistas, que adoram aplicar fórmulas na previsão e análise de comportamentos humanos, resolveram analisar diferenças surgidas na vida real.

Comparando os dados de mortalidade de dois grandes naufrágios ocorridos no início do século XX (o famoso Titanic e o de um navio chamado Lusitania, que afundou três anos depois), os pesquisadores perceberam que havia muita diferença entre quem viveu e quem morreu em cada um dos casos. No Lusitania, homens jovens tiveram chance 7,9% maior de sobreviver do que os outros passageiros, enquanto no Titanic tiveram 6,5% mais chance de morrer. As crianças, por sua vez, tinham 30,9% mais chance de sair com vida do Titanic do que adultos acima de 35 anos, mas não tiveram vantagem alguma no Lusitania. Mulheres, finalmente, tinham probabilidade 53% maior do que os homens de sobreviver no Titanic, contra 11% no Lusitania.

Feitas as análises estatísticas, a maior diferença entre os dois casos foi o tempo de tragédia: o Titanic levou duas horas e quarenta minutos para afundar, enquanto o Lusitania submergiu totalmente em dezoito minutos. Para os economistas essa é a chave da diferença: com tempo escasso, valeu a lógica do salve-se quem puder, possivelmente numa reação instintiva de sobrevivência diante da descarga de adrenalina. Com mais tempo para pensar e agir, no Titanic o "salve-se quem puder" deu lugar ao "mulheres e crianças primeiro", explicando as distintas chances de sobrevivência nos dois casos.

A hipótese de que a primeira reação de manter a própria sobrevivência foi seguida por uma racionalização de autossacrifício pelo próximo é plausível do ponto de vista neurocientífico: os reflexos instintivos são muito mais rápidos em nosso cérebro, mas a atividade do córtex é mais lenta. E é justamente essa a parte "civilizada" do nosso cérebro, sobretudo na região pré-frontal, que nos ajuda a antever consequências, planejar atitudes etc.

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Ou seja, não é vergonha nenhuma ter uma reação imediata egoísta, desde que, pensando melhor, consigamos superar nossos instintos, com as atitudes altruístas que são (ou deveriam ser) parte essencial de nossa "racionalidade".

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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