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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Psicótico ou psicopata - ainda o caso Glauco

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[tweetmeme] Com a prisão de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, assassino confesso do cartunista Glauco, tenho ouvido algumas dúvidas que cabe esclarecer.

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Não tenho como afirmar se ele tem ou não algum transtorno mental, já que não o examinei, mas podemos discutir as principais questões surgidas de forma geral.

Os transtornos psicóticos caracterizam-se por uma quebra parcial ou total da capacidade dos indivíduos de formar um juízo correto sobre a realidade. Os sintomas principais são alucinações (ouvir, ver ou sentir qualquer coisa na ausência de um estímulo real) e delírios (crenças subjetivas irredutíveis, não deduzidas de um raciocínio com embasamento na realidade). O fato de alguém estar psicótico não exclui, por si só, sua responsabilidade, civil ou criminal. Para a lei, não é suficiente estar doente, mas a condição deve necessariamente levar ao prejuízo do entendimento ou do autocontrole para tornar o agente inimputável (isento de pena) ou incapaz civilmente. Não basta ser doença, tem que participar.

Outro ponto frequente é questionar a presença de um transtorno mental em crimes com grande planejamento, como se a doença impedisse o sujeito de se organizar. Uma coisa não exclui a outra: um paciente com esquizofrenia pode achar que seu vizinho é um alien que quer matar sua família e, movido por essa crença, planejar uma emboscada bastante detalhada para matá-lo. Planejamento depõe contra impulsividade, não contra insanidade.

Algumas pessoas já perguntam se ele é um psicopata. Não é possível afirmar. Psicopatia não se revela apenas em um ato ou alguns comportamentos, mas num padrão contínuo e em grande parte imutável de ser e de se relacionar, caracterizado principalmente por frieza emocional constante e desprezo reiterado pelas normas sociais.

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Finalmente o uso de drogas, por si só, também não exclui a imputabilidade. Segundo o código penal, apenas crimes cometidos sob efeito de álcool ou outras drogas que tenham sido consumidas involuntariamente ou "por motivo de força maior", tendo prejudicado o estado mental da pessoa, podem ter a imputabilidade alterada.

Por fim, até onde sei o uso da Ayahuasca na religião do Santo Daime e afins é permitido no país, não sendo crime seu consumo no contexto religioso.

Vale lembrar que a maioria dos pacientes psiquiátricos nunca comete qualquer crime, e que a maioria dos criminosos não sofre de transtornos mentais (I). Fundamental frisar isso para que não reforcemos o triste preconceito segundo o qual os "loucos são perigosos".

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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