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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Psicopatas: um mal necessário?

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Já falei em outra ocasião, mas não custa repetir: psicopata não é sinônimo de bandido. No ano passado introduzi uma aula sobre o tema com a seguinte comparação: nos anos noventa o personagem mau da novela era o vilão, hoje é o psicopata. O Pimenta Neves matou a ex-namorada e foi chamado de vilão, o goleiro Bruno supostamente fez a mesma coisa e foi chamado de psicopata. O Jorginho da Rua Cuba, acusado de matar os pais, era conhecido como assassino, enquanto anos depois a Suzane Von Richthofen ficou famosa como psicopata. Ou seja, estamos usando um diagnóstico para descrever comportamentos criminosos, de maneira superficial e leviana. Isso é um perigo, pois usar instrumental médico para fins sociais é um passo para abuso de poder, basta lembrar d'O Alienista.

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Mas eu entendo o entusiamso com os psicopatas. Eles são fascinantes em sua amoralidade, agindo em proveito próprio ignorando quaisquer entraves. Há até um livro sobre isso chamado "Homens maus fazem o que os homens bons sonham". Para além da ausência de amarras, contudo, há uma hipótese interessante, que diz que no fundo a sociedade e os psicopatas precisam um do outro.

Sabendo que há uma forte influência genética no temperamento e na personalidade dos indivíduos, pode-se perguntar por que os genes de comportamentos tão individualistas não foram extintos, uma vez que as sociedades humanas dependem da cooperação. Pesquisadores franceses, utilizando modelos da teoria dos jogos, acreditam que os psicopatas têm um elevado ganho em interações de curto prazo, já que trapaceiam sempre que podem e levam a melhor às custos do prejuízo alheio, mas com o tempo eles acabam ficando marcados, e as vantagens se perdem, transformando-se em desvantagem. Nesse meio tempo, no entanto, seu comportamento faria com que a sociedade ficasse sempre alerta, preparada para qualquer tentativa de engodo. Esses cientistas imaginam que grupamentos humanos onde não havia sequer uma pessoa com tendência antissocial foram dizimados, ou explorados até a última gota, por não estarem aptos a lidar com o engano deliberado. O equilíbrio entre as vantagens para si e para a comunidade, e as desvantagens para todos explicaria porque a taxa de psicopatas na população se mantém estável em cerca de 1% independente do lugar ou época. Eles seriam um mal necessário.

É uma hipótese. Mas acho difícil testá-la, pois na vida real é muito improvável encontrarmos um grupo sem nenhum psicopata. Quem sabe na próxima novela?

Em tempo: essa é a última semana para concorrer a uma cópia autografada do livro Machado de Assis: a loucura e as leis. Serão dois sorteios, só no twitter. Participe!

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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