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Psiquiatria e sociedade

Opinião|O mercado de antidepressivos - enquanto uns choram, outros vendem lenço

As vendas dos antidepressivos foram as que mais cresceram em 2016. O que pode ser uma boa notícia.

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Atualização:

 Foto: pixabay

Que 2016 foi um ano pesado ninguém duvida - talvez um dos mais complicados nos últimos tempos, tanto no Brasil como no mundo. Como se não faltassem evidências de que foram doze meses duros de aguentar, um levantamento da IMS Health sobre o mercado farmacêutico brasileiro mostrou que os antidepressivos e estabilizadores do humor foram os remédios que mais cresceram em vendas no ano - 18,2% - só perdendo para analgésicos em faturamento total. Enquanto uns choram, outros vendem lenços. Ou antidepressivos.

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Mas essa não é necessariamente uma notícia ruim.

A venda dessas medicações vem crescendo no mundo todo, ano a ano, há bastante tempo. Levantamentos prévios já mostravam a tendência também por aqui: entre 2003 e 2007 o aumento havia sido de 42%; entre 2008 e 2013, 48%. E isso na época que o Brasil voava em céu de brigadeiro, todo mundo estava empregado e ninguém se xingava de coxinha ou mortadela. Aqui, como no restante do mundo, o preconceito com a psiquiatria vem caindo, a segurança dos remédios aumentando e o acesso aos tratamentos se tornando mais fácil - e mais pessoas passam a ser medicadas. 

O aumento na venda pode ser bom, portanto, porque pacientes que vinham sofrendo desnecessariamente estão agora se tratando (mesmo nos EUA estima-se que ainda hoje a minoria das pessoas com depressão trate-se de forma correta).

Claro que essa onda carrega consigo gente que talvez não precisasse tomar antidepressivos. Não deixa de ser um problema, mas certamente é um problema menor, tanto pela quantidade como pelas consequências. Como o escritor Andrew Solomon, autor de O Demônio do meio-dia, coloca muito bem, há tanto excesso como falta na prescrição desses remédios, mas a falta é pior. "Tem quem os tome para fugir de problemas comuns, mas, na minha experiência, essas pessoas acabam largando o medicamento quando percebem sua ineficácia nessa situação". diz ele "Enquanto isso, aquelas que de fato precisam do remédio e não o tomam às vezes cometem suicídio". (leia a entrevista no Estadão).

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Por outro lado, é real o impacto negativo da crise financeira na saúde mental das pessoas. Diversos estudos vêm sendo feitos mundo afora. Os resultados variam de acordo com os métodos usados, às vezes mais às vezes menos rigorosos, mas a tendência parece consistente: tanto a prevalência de depressão como a taxa de suicídio aumentaram nos países em crise, e boa parte desse aumento pode ser estatisticamente atribuído ao cenário econômico adverso.

Mas até nesse contexto o aumento de vendas de antidepressivos pode não ser má notícia. Se tantas pessoas vêm adoecendo por conta da crise, ao menos que se lhes dê a chance de ser tratadas. Os remédios não farão nada pelo mercado econômico, mas podem ao menos ajudá-las a atravessar essa fase, que, como tudo, também vai passar.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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