Está causando furor nas redes sociais acessadas pelos tablets e celulares a notícias de que tablets e celulares podem fazer mal para as crianças. O site do The Guardian chegou a dar manchete "Pesquisa mostra que iPads e smartphones podem danificar o cérebro de crianças". Pânico nos pais.
Podemos identificar ao menos dois fatores que contribuem para esse alarmismo. A leitura superficial - e carregada nas tintas - que a mídia muitas vezes faz dos artigos científicos, e a tendência que novas tecnologias têm de gerar esse pânico moral. Já falamos antes que a tecnologia não é o problema -a questão é como usá-la (leia Anotar à mão ou no computador? e A complexidade real da vida virtual)
Começando pelo segundo, a antropóloga australiana Genevieve Bell, vice presidente na Intel Labs, acredita que nem toda tecnologia leve a sociedade ao desespero. Mas quando as novidades alteram de uma só vez nossa relação com o tempo, com o espaço e com os outros, as pessoas tendem a surtar. Sempre foi assim: é famosa a crítica que Sócrates faz da escrita, prevendo que ela acabaria com a memorização e a argumentação. De fato ninguém mais decora a Ilíada, mas quem tem coragem de pregar contra os livros? O telefone, da mesma forma, foi criticado como sendo uma ameaça para a habilidade de conversar face-a-face. Alguém disposto a extingui-lo? Por outro lado, não lembro de ouvir grandes profecias contra o e-mail, por exemplo. Sendo apenas uma carta mais rápida, ele só alterou nossa relação com o tempo. Não é de se estranhar, portanto, a gritaria com relação aos smartphones. Muito mais do telefones portáteis, seus milhões de aplicativos possibilitam mudanças em todas as esferas da vida humana. Natural que causem medo.
É aí que entra o segundo ponto. Cabe à ciência esclarecer a sociedade sobre os impactos dos avanços tecnológicos. Isso é feito com pesquisas, experimentos, estudos observacionais e assim por diante. Antes de encontrar as resposta, contudo, os cientistas devem elaborar as perguntas. Foi o que tentaram fazer os autores do famigerado artigo científico que deu origem a essa avalanche de notícias. Publicado na prestigiosa revista Pediatrics em janeiro, o texto propõe uma agenda científica: notando que as pesquisas vêm avançando muito mais lentamente do que a disseminação do uso de smartphones por crianças, os autores conclamam a comunidade a se debruçar sobre o tema. Mas ao contrário da leitura sensacionalista que caiu nas redes sociais, eles citam trabalhos que mostram aspectos positivos das novas tecnologias (como aumento das habilidades literárias) e outros negativos (maior distraibilidade por conta dos múltiplos estímulos concomitantes). Além disso, perguntam-se - perguntam-se, é bom frisar - se a capacidade de acalmar rapidamente as crianças não estaria as privando de desenvolver mecanismos de controle emocional. Belíssima questão. A ser respondida. O pânico surgiu apenas nas manchetes apressadas e histriônicas. Qual a grande recomendação do artigo? Que os pais sentem com os filhos, mexam nos aparelhos junto com eles, saibam quais apps têm usado. Conselho válido desde os tempos do telégrafo.
O site do The Guardian posteriormente corrigiu a manchete para uma versão bem mais amena, mantida até hoje: "Tablets e smartphones podem afetar o desenvolvimento social e emocional das crianças, especulam cientistas". Agora sim. Se podem afetar, podem também não afetar. Isso ainda é uma especulação. É uma boa pergunta. Mas que ainda espera uma resposta.