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Psiquiatria e sociedade

Opinião|O inverno do horário de verão

O horário de verão não cumpre seu fim. Pelo fim do horário de verão!

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Atualização:
 Foto: Estadão

Eu tinha esperança que esse ano não teríamos horário de verão. O Ministério de Minas e Energia refez algumas contas e, ao que parece, concluiu que a economia de energia nos meses em que vigora essa mudança não é significativa. O horário de verão estaria perdendo o sentido.

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Alguns ficarão tristes com isso, eu sei. A maioria das pessoas gosta de dias mais longos, experimentando a luz do sol por um pouco mais de tempo no fim do dia. O problema é o preço que se paga na transição. Adiantar o relógio uma hora de uma vez traz um impacto negativo para muita gente, a ponto de a maioria dos brasileiros ser contrários à medida.

Alguns pesquisadores a Universidade Federal do Rio Grande do Norte se uniram a cientistas de São Paulo e Paraná para estudar como nós lidávamos com essa transição. Fizeram uma pesquisa via internet com 12.467 pessoas sobre seus horários habituais de dormir e acordar, perguntando também sobre desconforto com a chegada do horário de verão. Constataram apenas menos da metade de nós, 45,43% dos brasileiros, não se sentem mal nesses dias. O restante passar por algum tipo de desconforto que, pasme, persiste todos os meses, até o relógio voltar ao normal, para cerca de um quarto das pessoas.

Os resultados poderiam ser diferentes em países temperados, nos quais a duração do dia e da noite variam mais claramente ao longo das estações, ajudando as pessoas a se adaptar. Mas não é o que acontece. Em 2007 cientistas alemães recolheram dados de 55 mil pessoas, mostrando que o horário de dormir vai se ajustando gradualmente conforme o pôr-do-sol se adianta enquanto o inverno se afasta. No entanto esse lento ajuste é interrompido pela mudança súbita com a chegada do horário de verão. E isso tem um preço. Dois economistas, também da Alemanha, publicaram no final do ano passado um trabalho mostrando que a qualidade de vida cai significativamente quando essa hora de sono é roubada dos alemães e dos ingleses. Na primeira semana, o índice de satisfação com a vida cai perto de 7% em média. Nos primeiros dias chega a cair 30% no Reino Unido e 15% na Alemanha. Como são economistas, eles calcularam o valor dessa queda, e estimam que, para manter a qualidade de vida no período seria necessário aumentar a renda doméstica em 10% na Alemanha e 34% no Reino Unido.

As consequências não param por aí. É bem conhecido o aumento de infartos agudos do miocárdio nos primeiros dias pós-mudança de horário. Há também estudos mostrando maior número de acidentes de trabalho. Já conclusões sobre acidentes automobilísticos não são consistentes - há levantamentos que mostram aumento, pela sonolência, e outros indicam redução, dada a maior luminosidade do dia. E uma das consequências mais curiosas foi publicada ano passado, mostrando que nos EUA os juízes federais determinam sentenças mais longas (em média 5%) na primeira segundas-feira em que dormem uma hora a menos do que nas segundas-feiras anterior e seguinte.

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Gostemos ou não do horário de verão, portanto, é difícil discordar que a economia gerada em eletricidade teria que ser enorme para compensar tantos efeitos negativos. Agora, quando se duvida até mesmo dos benefícios econômicos, passou da hora de abandoná-lo. Mantê-lo seria como continuar tomando um remédio cheio de efeitos colaterais para uma doença de que não mais padecemos.

 

Alencar JCN, Leocadio-Miguel MA, Duarte LL, Louzada F, Fontenele Araujo J, Pedrazzoli M. Self-reported discomfort associated with Daylight Saving Time in Brazilian tropical and subtropical zones. Ann Hum Biol. 2017 Nov;44(7):628-635.

Kantermann T, Juda M, Merrow M, Roenneberg T. The human circadian clock's seasonal adjustment is disrupted by daylight saving time. Curr Biol. 2007 Nov 20;17(22):1996-2000.

Kuehnle, D. & Wunder, C. J. Using the Life Satisfaction Approach to Value Daylight Savings Time Transitions: Evidence from Britain and Germany. Happiness Stud (2016) 17: 2293.

Cho K, Barnes CM, Guanara CL. Sleepy Punishers Are Harsh Punishers. Psychol Sci. 2017 Feb;28(2):242-247.

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Leitura mental

 Foto: Estadão

A editora Valentina está apostando alto na nossa falta de tempo. A coleção "Para quem tem pressa" conta com diversos títulos, da história do mundo à história do Brasil, passando pelo século XX e pela mitologia. Em A história da ciência para quem tem pressa, as autoras Nicola Chalton e Meredith MacDarle começam com os antigos astrônomos chineses e chegam até as mudanças climáticas causadas pelo homem. O livro não segue a ordem cronológica, contudo, porque é dividido em grandes áreas: astronomia, matemática, química, física, biologia e medicina. Dentro de cada seção sim, a cronologia é mantida, em textos breve que apresentam a ideia e seus autores indo direto ao ponto. Para quem tem pressa.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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