EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Psiquiatria e sociedade

Opinião|Não pense no macaco azul - como se distrair em quarentena

Como esquecer - um pouco - do coronavírus

PUBLICIDADE

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:
 Foto: Estadão

Está difícil não pensar no coronavírus, não é? Agora que já entendemos o perigo e estamos em casa, percebemos que seria bom desconectarmo-nos um pouco do assunto, dar uma folga para o cérebro, baixar a adrenalina. Mas não é fácil.

PUBLICIDADE

Primeiro por conta das redes sociais e Whatsapp da vida. Não passa um minuto sequer sem que recebamos mensagens das mais variadas fontes, todas assustadoras. Na China aconteceu isso, na Itália aconteceu aquilo. O presidente falou, o governador alertou, o médico sussurrou. Se não prestamos atenção, passamos o dia inteiro em função do assunto. É preciso então que ativamente nós reduzamos a exposição às notícias ruins. Depois do distanciamento social, precisamos de um distanciamento informacional. Consumir notícias exclusivamente de fontes confiáveis (prints de tela escritas "Saiu no Estadão" não valem. Tem que checar o site); mas em intervalos espaçados. Ficar 24 horas por dia lendo estatísticas faz muito mal.

E além disso é difícil parar de pensar de propósito em algo. No conto O macaco azul, o escritor Aluísio de Azevedo conta que certa vez disse brincando que sabia o segredo para escrever bons versos. Um sujeito ouviu-o e passou então a implorar-lhe que contasse a fórmula. Não adiantava dizer que era uma brincadeira, que não existia tal segredo, o homem perseguia o escritor com veemência. Até que, cansado, ele disse que o segredo era não pensar no macaco azul. Espantado o sujeito lhe disse que nunca havia pensando num macaco azul. "Parece-lhe; é que às vezes a gente está com ele na cabeça e não dá por isso", respondeu o escritor. Dispondo-se então a não pensar no macaco azul toda vez que se sentava para escrever o infeliz lembrava do bicho, que nunca mais lhe saiu da cabeça.

Tirar o coronavírus da mente traz o mesmo problema: pensamos no assunto para tentar dele nos esquecermos, o que o traz à memória e assim nunca temos paz. Mas existe uma maneira: engajar a mente em outras coisas. Não apenas ficar zapeando na TV ou passando fotos aleatoriamente nas redes sociais. Envolver mesmo o cérebro em alguma coisa, que prenda a atenção e mexa com as emoções - essa é a melhor forma de nos distrairmos.

Uma das ferramentas para tanto são nossos velhos conhecidos jogos de tabuleiro. Os leitores frequentes sabem que eu sempre falo deles por seus muitos méritos, mas nunca achei que precisaria tratar do tema em meio a uma pandemia. Sua pertinência, no entanto, é perfeita. Não apenas eles são bons para passar o tempo na quarentena, como ainda estimulam atividades coletivas, reunindo as famílias e forçando um tempo de desconexão.

Publicidade

Vale tudo, desde os antigos, como  palavras-cruzadas ou baralhos, até os jogos modernos, cujo design e mecânicas sofisticadas atraem um público crescente. E no espírito do combate coletivo à pandemia, a editora Galápagos, uma das grandes do mercado, disponibilizou vários títulos gratuitos, que podem ser impressos para jogar em casa (confira aqui).

E lembre-se: uma hora isso tudo vai passar. Vamos juntos porque juntos vamos mais longe!

***

Leitura mental

 Foto: Estadão

Aproveito o ensejo para indicar o livro Ciência no cotidiano: Viva a razão. Abaixo a ignorância! (Contexto, 2020), dos incansáveis paladinos da divulgação científica Natalia Pasternak e Carlos Orsi. Eles são líderes do Instituto Questão de Ciência, que se dedica a promover o pensamento científico e batalhar pelo uso de evidências científicas nas políticas públicas. Algo bem pertinente para nosso momento, diga-se. No livro temas como vacinação, alimentação, higiene e probabilidade são explicados de forma muito compreensível, e totalmente ligada ao nosso cotidiano. Ao contrário de muitas obras do gênero, o livro não se presta só para pescar no aquário e tem apelo para conquistar até quem acha que não gosta de ciência.

Publicidade

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.