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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Não fuja da depressão

Quem tem depressão ainda sofre muito preconceito. Para acabar com ele é preciso conhecer: conhecer os fatos e, sobretudo, conhecer as pessoas.

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Atualização:

Existem doenças que sofrem muito mais preconceito do que a depressão. Lepra. Tuberculose. Mesmo dentro da psiquiatria ela não é a mais estigmatizada. Esquizofrenia assusta mais. Cleptomania é menos aceita. TOC é mais ridicularizado. Síndrome de Tourette é mais constrangedora e menos compreendida. Mas infelizmente, por mais que hoje em dia se conheça e aceite a depressão, os pacientes ainda sofrem com o estigma. E como é uma doença muito mais frequente que as outras - praticamente uma em cada cinco pessoas terá depressão ao longo da vida - o impacto da estigmatização, mesmo que individulmente menor, afeta um número muito maior de pessoas, prejudicando a sociedade inteira.

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De acordo com algumas classificações, o estigma pode ser dividido em três componentes: o estereótipo, o preconceito e a discriminação. Estereotipar alguém é acreditar que as características da pessoa podem ser conhecidas a partir de um atributo. Achar que alguém é trabalhador ou arrogante após saber que ele é médico, por exemplo. Ou considerar que o sujeito é burro ou saudável porque trabalha como modelo. Estereótipo pode ser positivo ou negativo, mas é uma simplificação. Já o preconceito vem do estereótipo, mas é carregado de uma avaliação negativa. Pior: não se restringe a uma crença, mas envolve também emoções negativas, medo ou desprezo por alguém sem conhecê-lo, apenas por saber de uma de suas características. Preconceito racial, por exemplo. E a discriminação é o aspecto prático desses dois: é a negação de direitos, a restrição de oportunidades, é tratar diferente - e nesse contexto, tratar pior - as pessoas que sofrem preconceito por causa do seu estereótipo.

Pessoas com depressão sofrem nesses três níveis. É muito comum imaginar-se que um "deprimido" seja uma pessoa fraca, sem força de vontade para reagir, preguiçosa na pior acepção dessa palavra. Como tais estereótipos são praticamente só negativos, o preconceito é frequente. Não tenho a estatística precisa, mas estimo que quase metade dos pacientes com depressão já me disseram que, antes de adoecerem eles mesmos, achavam que depressão era frescura, coisa de gente desocupada. Não é raro passarem anos fugindo do tratamento, tentando "reagir" para não se mostrarem fracas, diante dos outros e de si mesmos. E as restrições também acontecem: eles têm menor oportunidade de emprego, por exemplo, e podem até receber menos atenção médica diante de queixas físicas, como dores.

As consequências do estigma na depressão, portanto, são enormes: ele faz com que muitas pessoas neguem o diagnóstico, não busquem tratamento, escondam o problema. Algumas acabam desempregadas, isoladas. Nem precisa dizer que tudo isso piora a depressão. Aumentando o estigma. Piorando a depressão. Aumentando o estigma.

Duas são as principais armas no combate ao estigma: a mais eficaz é o contato pessoal. Depois que você conhece alguém é mais difícil manter estereótipos - o sujeito não o deprimido, mas é o João, que gosta de futebol, que tem dois netos, gosta de música, detesta sopa, construiu uma mesa de madeira. A base do preconceito se desfaz e reduz as restrições. A segunda é a informação. É saber que depressão não é uma escolha, mas uma doença. Que não se pode reagir à ela por conta própria assim como não se pode reagir a uma crise de asma ou a um infarto. Divulgar que das cem pessoas próximas a você, umas vinte tiveram ou terão o mesmo problema. Dentre seus mil amigos nas redes sociais, uns duzentos pelo menos precisarão de tratamento com um psiquiatra. Que por sinal não é médico de loucos, mas de pessoas cujas emoções adoecem. E que depressão tem cura na maioria dos casos.

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Que tal usarmos essas armas? Transmitindo essas informações corretas nas nossas conversas, nas fofocas de trabalho, nas mensagens de whatsapp. Mas, sobretudo, não evitando quem tem depressão. Ao contrário, aproximando-se. Quem está com depressão é alguém como você e eu: não gosta de ser cobrado nem de ser largado. Assim como nós, só quer ser amado.

Fonte: Pixabay. Foto: Estadão
Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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