EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Psiquiatria e sociedade

Opinião|Muito além das cracolândias - o drama de Andreas von Richthofen

O caso de Andreas von Richthofen é tão comum que nem seria notícia, não fosse seu sobrenome.

PUBLICIDADE

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:

pixabay Foto: Estadão

O drama de Andreas von Richthofen é uma história tristemente comum no caso dos usuários de crack. É tão corriqueira que só virou notícia pela conjunção de dois fatores: um surto psicótico e um sobrenome conhecido.

PUBLICIDADE

No mundo estima-se existirem mais de dez milhões de usuários de crack. A maioria está na luta contra a dependência, tropeçando e levantando, na tentativa de conciliar uma vida normal com um vício potencialmente tão devastador. Essa maioria, contudo, é quem sustenta em grande parte as cracolândias - aproveitando-se da área de livre comércio da droga que ali se estabelece, frequentam-nas apenas para adquirir as pedras nas recaídas - frequentes ou não. São a população flutuante, digamos assim.

Richthofen aparentemente fazia parte dessa massa. Frequentava o centro de São Paulo para comprar drogas, segundo as informações, mas isso não o impediu de graduar-se numa universidade tão concorrida como a USP. O banco de teses da universidade mostra que seu trabalho de doutorado foi publicado no final de 2015, há menos de dois anos portanto. Como é pouco provável que ele tenha esperado obter o título de doutor para então tornar-se dependente, pode-se inferir que conseguiu dar conta das grandes demandas intelectuais de uma pós-graduação stricto sensu mesmo com o uso do crack. Assim como os milhões de dependentes mundo afora.

Mesmo o fato de ter desenvolvido um quadro psicótico não é anômalo - não é nem um pouco raro que o uso da cocaína, seja inalada, seja em pedra, leve ao desenvolvimento de pensamentos delirantes, desconectando os sujeitos da realidade nos chamados quadros psicóticos induzidos por drogas. A polícia está cansada de encontrar dependentes nessas condições, diuturnamente levando-os a pronto-socorros para serem devidamente medicados. Por si só isso também não seria notícia.

O interesse no caso, portanto, só pode ser atribuído ao sobrenome inscrito na história policial brasileira. Richthofen é uma marca conhecida, cuja menção por si só desperta o interesse. Qualquer nova ocorrência policial envolvendo o sobrenome tem tudo para ganhar as manchetes. Mas o fato é que, embora trágico, seu drama atual é tão igual a tantos outros que não estaríamos falando disso se não fosse por sua irmã.

Publicidade

Torço por ele, como por todos os que lutam contra o vício. E espero que a notícia ao menos sirva para mostrar que a questão do crack vai muito, muito além das cracolândias.

 

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.