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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Mortes de dentistas e a percepção da violência

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Atualização:

"Dos nossos males

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A nós bastem nossos próprios ais, Que a ninguém sua cruz é pequenina. Por pior que seja a situação da China, Os nossos calos doem muito mais..."

Mário Quintana

A sinceridade do poema de Quintana beiraria o ofensivo, não fosse sua inegável verdade: quanto mais distante de nós, menor a dor que nos causa o sofrimento alheio. Por outro lado, quanto mais próxima da nossa realidade a notícia, mais mobilizados somos. A empatia, afinal, passa inevitavelmente por um processo de identificação com o outro que sofre, e quanto mais parecido conosco, mais nos identificamos com ele. Talvez isso explique em parte a repercussão dos recentes crimes contra dentistas.

A notícia da de que o segundo dentista a ter o corpo queimado por assaltantes faleceu nessa segunda-feira contribui, assim, para a sensação de insegurança que grassa em nosso meio. O Conselho Regional de Odontologia já prepara a distribuição e uma espécie de botão de pânico para ser instalado nos celulares dos profissionais, que ao ser acionado disparará um alerta para os contatos pré-definidos pelo usuário. Um desavisado que tomasse conhecimento da mera existência de tal aparato já poderia temer - por que, afinal, seria necessário que um órgão de classe se preocupasse com isso? Quando juntamos essas notícias ao panorama geral de violência urbana com o qual travamos conhecimento diariamente, a sensação de medo aumenta ainda mais.

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Embora haja algum debate sobre o tamanho impacto da veiculação de notícias sobre violência na sensação de medo das pessoas, poucos negam que a mídia exerce essa influência, querendo ou não. Pesquisa da década de 90 analisando o impacto das notícias no estado Flórida em 2250 cidadãos, demonstrou que eventos locais geram mais ansiedade do que os nacionais, e que pessoas inseridas num ambiente onde existe violência próxima são mais sensíveis às notícias, dados que comprovam a tese de Quintana.

A sensação de medo diante das páginas policiais que experimentamos atualmente, portanto, não pode ser atribuída exclusivamente ao papel da mídia. De fato os órgãos de imprensa, noticiando abundantemente a violência urbana, aumentam a sensação de violência, mas isso só acontece porque ela está realmente próxima.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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