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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Morrer de trabalhar

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Após pelo menos trinta horas trabalhando ininterruptamente a base de bebidas energéticas, a redatora de publicidade Mita Diran entrou em coma e posteriormente faleceu, segundo as notícias vindas da Indonésia, onde trabalhava. Seu pai postou numa rede social que foram três dias seguidos no trabalho, antes do colapso.

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Sem maiores detalhes sobre o caso, os dois grandes vilões da história parecem ser o Karoshi e o Krating Daeng.

Descrita pela primeira vez no Japão no início dos anos 70 do século XX, karoshi significa "morrer de trabalhar demais". Longos períodos contínuos de trabalho, altos níveis de estresse, horários irregulares, jornadas noturnas e empregos com alta demanda longe de suporte familiar são os principais fatores de risco para o problema. A causa da morte é quase sempre ligada à elevação da pressão sanguínea, como infarto agudo do miocárdio, acidente vascular ou hemorragia cerebral, e poucos duvidam que tudo isso se deva à sobrecarga no sistema de estresse do organismo. As reações de enfrentamento de ameaças, como aumento da pressão, tensão muscular, aceleração dos batimentos cardíacos, foram programadas para ser transitórias, mas nesses ambientes de alta demanda tais sintomas podem se manter constantes, levando a um desgaste rápido e precoce do sistema vascular. Em países como Japão e Taiwan, a morte súbita de um executivo jovem é automaticamente considerada karoshi, figurando tanto nas estatísticas oficiais como implicando por vezes em responsabilidade para empresa.

Já a Krating Daeng é uma bebida energética de muito vendida na Ásia, inspiradora do Red Bull. Embora contenham vitaminas e aminoácidos o segredo por trás da energia que tais bebidas conferem é mesmo a cafeína, sabidamente estimulante do sistema nervoso central. Justamente por ser estimulante, quando ingerida em quantidades excessivas ela pode levar a intoxicação com sintomas que vão de agitação e ansiedade, passando por taquicardia e arritmias cardíacas, chegando a confusão mental, coma e morte. Em outubro desse ano um homem morreu no Reino Unido após consumir um excesso de tabletes energéticos ricos em cafeína.

Não é possível saber ao certo se foi isso que levou à morte da redatora na Indonésia. Mas diante dos relatos de sobrecarga de trabalho, com o estresse daí decorrente, associados ao possível abuso de cafeína, com a estimulação exagerada que esta pode causar, é plausível que essa conjunção infeliz tenha sido responsável pelo desfecho trágico de uma carreira promissora.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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