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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Modelos fugidios - como cada um conta no combate à pandemia

A contribuição individual salvará a coletividade

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Atualização:
 Foto: Estadão

Você já deve estar cansado de tanto ver modelos prevendo como a bendita curva da pandemia de Covid19 irá se comportar. É curva que precisa ser achatada, é pico que parece nunca chegar, são mortes que teimam em desafiar prognósticos. Por que é tão difícil encontrar uma resposta? Em parte porque muitas vezes o raciocínio por trás dos modelos esquece de um detalhe fundamental: tudo depende.

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Esse e o título de um pequeno livro que acaba de chegar ao mercado brasileiro. Tudo depende (Companhia das letras , 2020) é a primeira parte do livro Contágio (Spillover) que a Companhia das letras está lançando em quatro partes. Nessa primeira o autor David Quammen, exímio prosador, cujo texto envolvente é capaz de transportar o leitor para dentro da história e por meio dela transmitir o raciocínio com clareza ímpar, se debruça sobre o que chama de surtos: "qualquer aumento populacional importante e repentino de uma única espécie". Ele traz uma abordagem ecológica para o problema. Reflete sobre surtos de doenças, claro (no fundo eles são apenas um subtipo de surto), mas não deixa margem à dúvida: o pior surto são os seres humanos. Nenhum ser vivo passou por uma explosão populacional equivalente à nossa. Isso traz consequências.

Os surtos são relativamente raros na natureza, já que a maioria das espécies mantém populações relativamente constantes, sem explosões populacionais. Nas poucas em que isso ocorre, invariavelmente os crescimentos são acompanhados de declínios dramáticos. A alta densidade populacional torna os indivíduos mais susceptíveis a ameaças como doenças transmissíveis, por exemplo, o que trabalha contra seu crescimento. Vírus que atacam espécies em surto, experimentem então eles mesmos um crescimento exponencial, mas quando isso acontece os hospedeiros acabam dizimados,levando consigo os agentes infecciosos.

Parta Quammen essa é "A Analogia". Como acontece com lagartas, quando estamos em número muito grande, muito perto uns dos outros e nos movendo muito rapidamente para lá e para cá, ficamos mais vulneráveis do que imaginamos a infecções epidêmicas e pandêmicas. Entramos pelas florestas, derrubamos matas, vivemos com bichos silvestres. É fácil demais para um vírus se mover de um ser humano para outros, levando ao crescimento exponencial como o que vimos com a Covid19.

Estamos condenados, então?

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Aí que entra a o título do livro. Depende. A Analogia é boa, mas os seres humanos são espertos. Como demonstra o ecologista Greg Dwyer, entrevistado por Quammen, qualquer heterogeneidade introduzida no sistema já é suficiente para reduzir a escalada. A cada pessoa que cobre a boca na hora de tossir, a cada comunidade que se organiza para facilitar o distanciamento físico, a cada patrão que dispensa o funcionário por um tempo, a curva é modificada. Ou seja, "o esforço individual, o discernimento individual, as escolhas individuais podem ter efeitos gigantescos na prevenção de catástrofes que de outra forma poderiam varrer a população".

Fica claro compreender como é difícil introduzir essa heterogeneidade nos modelos. Mas por outro lado, percebe-se como é fácil contribuir individualmente para combater a pandemia. Se seu vizinho não respeita a quarentena, não adianta brigar com ele. Mas cada um que redobra seus próprios cuidados está contribuindo mais do que pensa.

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Ludicamente

 Foto: Estadão

Faz um tempo que não indico jogos de tabuleiro por aqui. O tema da ecologia me trouxe à mente o belíssimo Fotossíntese (Grok Games, 2018), um dos mais bonitos jogos recentes. O tabuleiro central representa uma floresta na qual os jogadores precisam plantar suas sementes e fazer suas árvores crescerem. Assim conseguem aproveitar o sol e ganhar energia. Ela é então traduzida em pontos que podem ser usados para plantar mais sementes, crescer mais árvores e assim por diante. Mas é necessário pensar lances à frente, porque o sol se move ao longo da partida, e suas arvores podem acabar ficando na sombra, sem gerar pontos. Quando o sol dá uma volta completa no tabuleiro completa-se em dia e depois de três dias o jogo acaba - mas sempre podemos recomeçar num novo dia.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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