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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Minha profecia

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Atualização:

[tweetmeme] Serei agora o profeta de uma nova tendência da sociedade. Com os benefícios das profecias: como nós tendemos a nos lembrar bem das coisas que causam impactos e esquecer das indiferentes, se eu acertar, no futuro dirão que eu fui um dos que cedo percebeu uma importante mudança social, mas se errar, ninguém vai lembrar.

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O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acabou de negar um pedido de habeas corpus feito em favor de Jimmy, que vive preso, tendo restrito seu direito de ir e vir, mesmo sem ter cometido qualquer crime. Todos sabem que ele é inocente, e apesar de o pedido ter sido impetrado por mais de 30 pessoas, entre professores universitários e ativistas, Jimmy não poderá receber a liberdade por essa via, disse o desembargador José Muiños Piñeiro Filho, relator do processo. Isso porque Jimmy é um chimpanzé. E por isso, não é considerado sujeito de direitos constitucionais como o habeas corpus.

Ele vive num zoológico do Rio, sozinho e sem amigos, e os impetrantes queriam levá-lo a um santuário em Sorocaba (SP) onde ele teria cuidados e liberdade, além de poder conviver com outros animais. Mas ele não é cidadão. E além disso, segundo o advogado do zoológico, se formos conceder direitos aos animais, também deveremos cobrar-lhes deveres, o que não faz sentido.

Mais ou menos. Menores de 18 anos, por exemplo, têm direitos e têm deveres, mas não os mesmo direitos e deveres que os adultos, pois a sociedade não os julga plenamente responsáveis. Da mesma maneira pacientes psiquiátricos que, em função da doença, tenham o entendimento prejudicado, têm um enquadre legal especial. Portanto, faz sentido, sim, oferecer direitos e cobrar deveres diferentes de quem é diferente.

Mas a questão do chimpanzé vai um pouco além, pois ali tentou-se aplicar a lei comum, do cidadão, a um animal. De fato, como disse o relator, por mais que nos sensibilizemos com a situação de Jimmy esse não é o caminho legal para resolvê-la.

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O que me chamou atenção, que profetizo ser uma tendência, foi o argumento da similaridade genética entre homens e chimpanzés (que têm menos de 1% de diferença no seu DNA) para tentar considerá-los sujeitos de direitos "humanos" - afinal, eles seriam "quase" humanos. Não é a primeira vez que essa similaridade é ressaltada, mas antes isso só acontecia no contexto dos movimentos pelos direitos dos animais. Com essa alegação de "quase humanidade" se aproximando dos tribunais, não é impossível estarmos vendo nascer um novo paradigma de interação com animas (sobretudo com os primatas, os mais "parecidos" conosco) do ponto de vista legal. O próprio desembargador comentou em seu voto que existe uma evolução nas leis, citando que assim como mulheres não tinham direitos políticos no Brasil até 1932 e negros escravos eram considerados bens (e não cidadãos) nos EUA do século XIX, talvez animais venham - no futuro - a ter igualdade. Hoje ainda não.

Agora a previsão: assim como a sociedade criou o Estatuto da Criança e do Adolescente para legislar sobre uma população com capacidades cognitivas ainda não totalmente desenvolvidas, no futuro surgirá o Estatuto dos Animais Primatas, para legislar sobre uma população "cognitivamente diferenciada, mas tão próxima de nós, que merece garantias equiparáveis". Duvida?

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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