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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Médicos, advogados e a certeza moral

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[tweetmeme] Já disse alhures que se os homens são de Marte e as mulheres são de Vênus, os médicos são de Mercúrio e os advogados de Netuno - estão mais distantes e a comunicação é ainda mais difícil. Mas assim como no caso dos gêneros, esse é um diálogo do qual não adianta fugir, sendo que o mais inteligente a fazer é buscar formas de se entender.

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Penso nisso lendo sobre o uso de imagens de ressonância magnética funcional (fRMI) nos tribunais, como um novo detector de mentiras. Empresas americanas já vendem esse serviço a clientes com causas judiciais, como mostra reportagem da Wired, mas a conversa não é assim tão simples.

São diversos os problemas, mas gostaria de ressaltar um, que surge de um estudo publicado esse mês na PNAS (1).

Neste experimento os pesquisadores pediram que dezesseis voluntários avaliassem 210 fotos de faces, durante 4 segundos cada. Depois de uma hora eles tinha que ver 400 fotos, separando as já vistas ("antigas") das que não tinham visto ("novas"). Um software analisava as áreas do cérebro ativas na tentativa de separar o conhecido do desconhecido. Com esses dados o pesquisador podia dizer, apenas com base na região do cérebro ativa, se o indivíduo estava vendo uma face familiar ou nova. Seria uma maneira de avaliar as memórias dos sujeitos, e dizer se eles estão ou não mentido sobre determinado aspecto, certo?

Errado, por um motivo que diz respeito à maior dificuldade de conversa entre Direito e Medicina: o nível de significância. Dizemos que o cientista conseguia identificar as memórias porque ele acertava entre 75 e 95% das vezes, dependendo dos voluntários. O grau estatístico de acerto é acima do esperado pelo acaso, portanto, é verdade que funciona. Isso em termos médicos. Já em termos jurídicos, quão válida é uma evidência que tem entre 5 a 25% de chance de estar errada? Sintomaticamente, o nível de significância era chamado antigamente de "certeza moral", e foi Bernoulli, se não me engano, que disse que definir o grau de tal certeza deveria ser uma atribuição dos magistrados, não dos cientistas.

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O avanço das neurociências é um fato, e devemos estar preparados para seu uso nos tribunais, como já argumentei em artigo prévio. Problemas como esse, no entanto, não podem ser simplesmente ignorados. Reconhecer esses obstáculos à transposição pura e simples do saber médico para o tribunal pode parecer um balde de água fria ânimos mais impetuosos, mas é a única maneira de evitar injustiças potencialmente graves no futuro.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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