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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Me engana que eu gosto

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Atualização:

[tweetmeme] Você continuará sendo enganado. Sua capacidade de detectar os mentirosos não vai melhorar, e o que é pior, sua fé na honestidade alheia vai piorar, correndo o risco de te transformar num cínico. Tudo isso se você levar o seriado Lie to Me a sério.

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Lembro-me de um livro de entrevistas com o Woody Allen no qual ele relatava conhecer muitas pessoas que passavam a vida se sentindo miseráveis por não viverem a realidade de luxo e glamour que viam nos filmes, como se aquilo fosse um mundo real negado a eles.

O mesmo fenômeno ocorre com os espectadores da Fox que acompanham as aventuras do cientista interpretado por Tim Roth, inspirado no psicólogo social Paul Ekman. Para quem não sabe, Ekman é um estudioso das expressões faciais, e conseguiu correlacionar - estatisticamente - determinados gestos, posturas e trejeitos com tentativas de enganar. A partir daí, o herói da TV é capaz de identificar terroristas, adúlteros e mentirosos em geral em tempo real apenas os observando. Agora um estudo recente o desserviço que isso pode prestar.

Voluntários foram convidados a assistir um episódio de Lie to Me ou de Numb3rs - série também policial, mas cujos mistérios são resolvidos por matemática - e em seguida avaliar 12 entrevistas em que metade das pessoas estavam falando a verdade e metade mentindo.

Os resultados não deram margem à dúvida: o grupo que viu Lie to Me ficou mais propenso a achar que as pessoas estavam mentido, mesmo quando estavam falando a verdade, sendo pior na identificação de pessoas honestas. Isso não melhorou em nada, no entanto, sua capacidade de detectar a mentira, que não teve diferença alguma do grupo controle. Como concluem os pesquisadores, o seriado aumenta o cetismo às custas de redução da acurácia. Talvez por ficarem procurando os sinais que são mostrados na TV, mas - mais provavelmente, em minha opinião - por ignorar aquela regrinha básica que repisamos sempre por aqui: a verdade na ciência é estatística, e sua extrapolação para o mundo real deve ser feita tendo isso em mente. Se hipoteticamente 60% dos mentirosos piscam mais do que os honestos, significa também que 40% deles não o fazem. Pode-se afirmar que quem mente pisca mais do que quem fala a verdade, mas não dá para ter certeza nenhuma sobre um indivíduo na sua frente, em tempo real.

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Agora que já não vamos confundir realidade e ficção, restaria saber se os produtores da série são mentirosos ou ignorantes.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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