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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Logicomix - guerra, loucura, lógica e gibis

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Atualização:

[tweetmeme] A primeira palavra que li foi num gibi do Chico Bento. Daí para frente, aprendi a gostar de ler com o Maurício de Sousa e com a Ruth Rocha, e talvez por isso nunca tenha considerado os quadrinhos numa categoria muito diferente da literatura. Hoje, embora não seja um fã da "nona arte" (as histórias em quadrinhos), acompanho notícias dessas obras ganhando prêmios literários e respeito no mundo acadêmico.

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Assim que o livro Logicomix foi uma das maiores surpresas que tive nesse ano. A proeza desses autores gregos foi fazer um livro sobre a vida e as ideias de Bertrand Russell, um dos mais importantes logicistas de todos os tempos, em quadrinhos. Com belíssimos desenhos e o conteúdo complexo, eles ainda conseguiram tratar da relação entre genialidade e loucura, levando o livro a obter resenhas elogiosas até mesmo em revistas acadêmicas (1).

A narrativa é conduzida pelo recurso metalinguístico de os autores desenharem a si mesmos tentando criar o livro. As reuniões de pauta, discussões temáticas e soluções históricas vão sendo apresentandas enquanto a biografia propriamente é apresentada. Isso ainda é feito com o requinte de retratarem o próprio Russell contando sua vida, numa palestra que ficou famosa, na qual pediram a ele que se posicionasse sobre a Segunda Guerra Mundial. Russell, mesmo sendo um pacifista convicto, usa suas experiências para mostrar que a Lógica, ponto de encontro entre a Matemática e a Filosofia, por mais rigorosa e precisa que seja, não consegue dar conta de tudo. O mundo dos homens e suas relações é muito mais complexo do que a ciência. Tanto que muitos dos matemáticos que fizeram da lógica sua vida, ou da sua vida um exercício lógico, acabaram por enlouquecer, literalmente, após suas contribuições para a ciência. Os quadrinhos retratam-nos internados em hospícios e em meio a seus delírios, em tristes finais para homens tão brilhantes.

No final das contas, não há uma resposta definitiva sobre a guerra ou a paz, sobre a associação entre genialidade e insanidade, nem mesmo sobre a importância do legado de Russell. Mas se entendermos a mensagem não daremos muita importância a tais lacunas. Afinal, a vida não é lógica.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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