EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Psiquiatria e sociedade

Opinião|Familicídio?

PUBLICIDADE

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:

Todo cuidado é pouco ao analisar o crime ocorrido em São Paulo na madrugada desta segunda-feira (05/08. Um casal de policiais foi encontrado morto em sua casa junto com o filho, além da mãe e da irmã da mulher. A principal hipótese da polícia é que o crime tenha sido cometido pelo filho. Isso porque tudo indica que os primeiros assassinatos ocorreram na madrugada, mas pela manhã o rapaz foi à escola, voltando para casa de carona com o pai de um colega. Posteriormente foi encontrado na cena do crime junto a uma arma e com um tiro na cabeça. Além disso, não havia sinais de arrombamento na casa e foi descartada pela polícia a hipótese de a chacina estar ligar a facções criminosas.

PUBLICIDADE

Ainda assim, devem-se esgotar as possibilidades alternativas antes de se firmar que a autoria foi do rapaz.

O parricídio - assassinato do pai, pais ou outros ascendentes - é um crime bastante raro, respondendo nos EUA por apenas 2% dos homicídios. O familicídio - quando vários membros da família são mortos num mesmo evento - é ainda mais raro, e pode ser considerado uma subcategoria de assassinato em massa (assassinato de quatro ou mais pessoas num mesmo incidente cometido por um indivíduo). Só o fato de ser algo tão raro já recomendaria cautela.

Mais atípico ainda é o perfil do perpetrador. Embora os parricidas sejam geralmente filhos homens com mais de 12 anos - caso do rapaz em questão - o suicídio após o crime é raro, e a principal motivação é a existência de grandes conflitos domésticos, como abusos físicos e sexuais, ou interesses financeiros, elementos que não parecem presentes no caso. Já nos familicídios, o assassino é quase sempre um homem casado, mais velho, portador de arma de fogo e com histórico de transtornos mentais, diferente do perfil do garoto.

A presença de doenças crônicas, como a fibrose cística de que o jovem era portador, é um conhecido fator de risco para suicídio de forma geral. No caso de adolescentes em particular a presença de arma de fogo em casa aumenta trinta vezes a chance deles se matarem. Diante disso é até possível imaginar que o rapaz tenha planejado o suicídio e decidido matar a família para poupá-los da dor de sua morte - motivo não raras vezes alegado no familicídio. Mas é algo tão raro - e tão extremo - que não podemos admitir tranquilamente essa versão sem antes afastar outros cenários possíveis.

Publicidade

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.