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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Estado, igreja e Marcos Feliciano

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Atualização:

A pressão que vem ocorrendo sobre o deputado pastor Marcos Feliciano desde que assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, e que vem trazendo sobre ele o risco de ser levado a renunciar, vem erroneamente sendo tomada como uma disputa de homossexuais versus evangélicos. Creio tratar-se de um equívoco advindo da generalização.

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A chamada bancada evangélica teoricamente representa um segmento da sociedade que é cada vez mais significativo no país e que por isso vem sendo muito considerado nos cálculos políticos - os evangélicos. O problema é que sob tal denominação genérica reúne-se um contingente de cristãos não católicos que vão dos protestantes históricos, descendentes dos primeiros missionários a aportar no Brasil, até o outro extremo temporal, os neo-pentecostais, fenômeno pós-moderno que pincela o protestantismo com tons de sincretismo religioso. A variedade de discursos concernentes à moral que viceja em espectro tão amplo é notável.

Feliciano representa à fatia dessa população que resiste à separação entre Igreja e Estado, crendo ser papel deste último legislar sobre a moralidade com base em sua interpretação da Bíblia. Apegados a essa postura, defendem um conservadorismo que soa anacrônico, como quando o pastor em questão diz que "Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada" ou "a união homossexual não é normal. O reto não foi feito para ser penetrado. Não haveria condição de dar sequência à nossa raça". Tais convicções, resta óbvio, quando tentam ser transferidas para o trabalho legislativo não podem prevalecer diante da laicidade do Estado.

A diversidade de posturas dentre os protestantes ficou patente no manifesto assinado por mais de cento e setenta pastores, seminaristas e líderes reunidos na Rede Fale! - rede de evangélicos engajados em divulgar informações relevantes e promover campanhas de pressão pública - instando que a presidência fosse ocupada por "um novo ou nova parlamentar que, a despeito de suas convicções, traga pacificação e consenso à sociedade brasileira, presidindo a CDHM com a isenção esperada".

O compromisso da pauta de direitos humanos é envolver o Estado na manutenção das garantias de todos os indivíduos, mesmo quando suas opções sejam opostas às orientações religiosas dos detentores do poder. Não é, pois, a religiosidade por si só que pesa sobre Marcos Feliciano, mas suas posturas que denotam a ausência desse compromisso fundamental para presidir a CDHM. Vale lembrar que a separação entre o que o Estado e o que a religião condenam foi lançada pelo próprio Cristo, quando ele, sem deixar de apontar o pecado, estimulou o descumprimento da lei que mandava apedrejar uma adúltera.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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