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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Escolha bem no que você acredita - o poder das crenças para bem e para mal

O poder de nossas crenças é maior do que imaginamos: acreditar que algo irá nos acontecer pode influenciar diretamente no que acontece de verdade. Para bem e para mal.

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Atualização:

Muitas profecias têm a irritante mania de não se cumprir, mas se você quiser aumentar a chance de que se cumpram, experimente acreditar nelas. Em 1948 o sociólogo americano Robert K. Merton publicou um artigo tão famoso que seu título tornou-se uma expressão popular - Self-Fulfilling Prophecy, algo como profecia autorrealizável. O conceito é simples: quando acreditamos piamente que determinado evento ocorrerá passamos a nos comportar como se ele fosse mesmo acontecer. Com isso, sendo ou não a profecia "verdadeira", nossas atitudes criam condições para que a previsão dê certo. Mas isso serve tanto para bem como para mal.

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Para bem não faltam exemplos interessantes. Existe o chamado efeito Pigmaleão, no qual quanto mais se espera das pessoas, melhor performance elas apresentam. O nome faz referência à mitologia grega: Pigmaleão esculpiu uma estátua da mulher ideal, apaixonando-se então por sua obra. A deusa Afrodite, compadecida do homem - que jamais encontraria uma humana tão perfeita como a estátua - concedeu vida a ela. O efeito já foi demonstrado em escolas e empresas, e relaciona-se à postura que assumimos diante das pessoas, demandando o melhor delas quando esperamos que elas possam alcançar altos padrões.

Há também o famoso efeito placebo. Nele, mesmo medicações falsas, feitas de farinha, muitas vezes funcionam apenas porque médico e paciente acreditam que ela funcionará. Os mecanismos psicológicos e fisiológicos por trás dessa aparente mágica não são totalmente conhecidos, mas possivelmente passam tanto por redução de substâncias associadas ao estresse em nosso organismo como por mecanismos de condicionamento clássico. Ele é tão eficaz que funciona até mesmo quando o paciente sabe que está tomando placebo, como revelaram pesquisas com enxaqueca e intestino irritável.

O espelho desse fenômeno, contudo, é o menos conhecido efeito nocebo. Nesse caso, as expectativas de que efeitos colaterais negativos ocorram faz com que o paciente sinta-se mal mesmo tomando pílulas inócuas. A ansiedade antecipatória diante da possibilidade - ou certeza - de que algo de ruim vá acontecer desencadeia a reação de estresse que às vezes é bastante desgastante para o organismo. Aliada ao poder da autossugestão, efeitos negativos dos mais diversos podem ocorrer. Não se trata, contudo, de mera imaginação - as alterações físicas do estresse agudo são mais do que bem documentadas. E aqui já entramos no terreno das profecias autorrealizáveis para mal.

Há outro curioso exemplo - também vindo da literatura - desses efeitos negativos de nossas crenças. No livro O cão dos Baskervilles, o médico e escritor Sir Arthur Conan Doyle colocou seu detetive, Sherlock Holmes, diante de um assassinato por sugestão. O assassino aproveitou-se da lenda de que um cachorro fantasma aterrorizava a população local para matar o Sr. Baskerville - literalmente - de susto. Não se trata de exagero: as alterações fisiológicas provocadas pelo estresse agudo são capazes de alterar a pressão arterial, a pulsação e até a atividade elétrica do músculo cardíaco, a ponto de pôr a vida em risco.

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Tanto é assim que os médicos descreveram o apavorante Efeito Baskerville, a profecia autorrealizável mais fatídica que conheço. Para japoneses e chineses o dia 4 de cada mês é considerado de má sorte, porque a pronúncia de "quatro" e "morte" é bastante parecida em japonês, cantonês e mandarim. Estudando as taxas de mortalidade de sino-americanos e nipo-americanos, cientistas descobriram que as mortes por causas cardíacas - e apenas por elas - são mais elevadas no quarto dia de cada mês entre essa população do que entre os americanos em geral. Entre 1973 e 1998, as mortes por causas cardíacas foram 7% maiores entre os orientais nos dias quatro do que em outros dias. Considerando a população previamente cardiopata, os números chegaram a ser 27% maiores.

Para bem e para mal, o que acreditamos pode de fato determinar o que irá acontecer conosco. Se for possível, portanto, escolha bem antes de acreditar em alguma coisa.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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