Sempre que alguma autoridade tenta intervir numa região onde usuários de droga de reúnem sistematicamente, invariavelmente a polícia tem que ser acionada. A repressão ocorre e as críticas abundam. Veja o caso das fotos acima, feitas em 1992. É de se perguntar que país é esse, repressor, que não respeitou o direito das pessoas de ficarem naquela praça, expulsando-as à força. Alguma república das bananas? Não. É a Suíça. Que precisou da polícia para fechar a praça Platzspitz, onde as pessoas usavam drogas livremente.
É absolutamente inevitável: onde há drogas, há violência. Seja no Brasil ou na Suíça, na sua casa ou na rua, na favela ou no palácio. Existem três grandes razões para isso, segundo o interessante modelo tripartite.
A primeira é a violência farmacológica. Dados de diversos tipos de crimes, em diversos países, mostram que frequentemente as pessoas envolvidas estavam sob efeito de drogas, fossem autores ou vítimas. Claro que a agressividade humana não se resume à intoxicação por substâncias, mas a ação dos psicotrópicos altera o funcionamento do sistema nervoso central, o que pode suprimindo a capacidade de controle dos impulsos ou deliberação consciente. Por isso é que usar drogas é um fator de risco conhecido para envolvimento com a violência.
A segunda razão é a violência para obtenção da droga. A maioria dos usuários não recorre à criminalidade para sua aquisição. Há, contudo, um pequeno grupo, sobretudo entre os dependentes mais graves, e de substâncias mais viciantes, que sofre uma desagregação tão grande da vida que fica sem meios de obter a droga se não o crime. As vítimas mais comuns são as pessoas que moram próximas a esses usuários, não raras vezes elas mesmas envolvidas com algum tipo de violência.
A terceira e última é a violência sistêmica. Dado o caráter ilícito de toda a cadeia de produção, distribuição, venda e consumo de algumas drogas, cria-se um universo paralelo, à margem da legalidade, mantendo o mercado das drogas em funcionamento à custa de muita violência, como se vê no modus operandi do tráfico.
No caso das cracolândias (como no caso da praça Platzspitz) quatro personagens diferentes se reúnem: usuários - que vão até lá para comprar, usando-as como um mercado; dependentes - que perdem o controle sobre o uso da droga, e em casos graves passam a morar lá; moradores de rua - sujeitos que têm inicialmente um problema social, ficando por isso em situação de rua, e que podem ou não usar drogas; traficantes - que lucram a custa dos outros.
Evidente que ações policiais não solucionam o problema dos três primeiros. Usuários e dependentes precisam de assistência à saúde, criminalizá-los não faz sentido. Dependentes e moradores de rua carecem de assistência social - não é preciso força bruta para isso. Mas é também evidente que ela é necessária para desmontar esses guetos controlados pelo tráfico e sustentados pela demanda de quem perdeu o controle sobre o uso da droga. É muita ingenuidade - ou muita má-fé - defender a manutenção desses territórios, cuja existência é por si só uma violação dos direitos humanos. Fingir que é possível recuperar as pessoas ali e deixá-las naquela situação por anos a fio é uma violência infinitamente maior do que qualquer ação policial.
Coisa que os suíços perceberam há um quarto de século.
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Leitura mental
Se a questão das drogas tivesse solução simples, já teria sido solucionada. Mesmo que a solução não agradasse a todos provavelmente já teríamos optado por ela para nos livrarmos do problema. No livro Drogas: as histórias que não te contaram (editora Zahar, 2017), a pesquisadora e ativista Ilona Szabó escreve um relato apenas parcialmente ficcional, narrando a vida de alguns dos personagens envolvidos no mercado de drogas. A violência tripartite fica evidente. A autora é uma crítica conhecida da abordagem exclusivamente repressiva, defendendo a busca evidências científicas para embasá-las. Daí sua proposta que países possam fazer experiências nas políticas públicas com relação às drogas. Só assim se avança, afinal.