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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Como consolar os amigos

Consolar alguém é reconhecer e validar seus sentimentos

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Image by Alexas_Fotos from Pixabay  Foto: Estadão

 

"Não é para tanto".

"Foi para melhor".

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"Pare de chorar, um dia você ainda vai rir disso".

Se você nunca falou uma frase como essas pode parar de ler. Mas se, como eu e a maioria das pessoas, você já tentou consolar alguém desviando o foco do problema, minimizando a situação ou tentando forçar uma mudança de perspectiva, é hora de rever essas estratégias.

A bem da verdade nem precisaria dizer que elas não funcionam - basta observar a experiência contrária. Quando ouvir isso de alguém aliviou nosso próprio sofrimento? Ainda assim, na aflição de ajudarmos os outros frequentemente recorremos a elas por não saber o que dizer.

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Bem, agora sabemos.

Um estudo recente mostrou que esse tipo de frase além de ser inútil por não conseguir forçar ninguém a rever as situações adversas ainda gera uma reação conhecida como reactância psicológica - aquela sensação desagradável que temos quando sentimos que alguém está tentando mandar em nós. É como se esse tipo de consolo fosse ouvido como uma ordem: "Não sinta isso. Sinta aquilo".

A saída é validar o sentimento alheio, focando as mensagens na pessoa do interlocutor. Quanto mais pessoais e empáticas, mais eficazes no suporte emocional. "Puxa, isso realmente é para deixar com raiva". "Que pena essa notícia, natural você ficar triste". "Caramba, assustador, hein? Dá para entender por que você ficou com medo". Ao ouvir frases como essas a pessoa nota que suas emoções não estão fora de lugar e se sente amparada.

Num dos episódios do hilário seriado Parks and Recreation o personagem Chris Traeger, um executivo que maquia sua angústia com um otimismo excessivo, parece incapaz de lhe dar suporte a sua esposa (olha o spoiler) Ann Perkins quando ela engravida. Sempre que ela comenta sobre inchaços, dores ou falta de ar ele oferece uma solução entusiasmada, que embora carinhosa sufoca a esposa ao desqualificar, ainda que involuntariamente, seu sofrimento. Só quando Ann desabafa com amigos e esses dão uma dica para o marido é que ele aprende a realmente a consolar. Na próxima vez em que ela se queixa de algo ele simplesmente senta-se ao seu lado e diz: "Que saco isso, hein?". Ann sorri aliviada, com a sensação de ter sido finalmente compreendida.

Pode parecer estranho, mas, paradoxalmente, é só quando não nos mandam parar de sentir alguma coisa que esses sentimentos encontram uma porta de saída.

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Xi Tian, Denise Haunani Solomon, Kellie St.Cyr Brisini, How the Comforting Process Fails: Psychological Reactance to Support Messages, Journal of Communication, Volume 70, Issue 1, February 2020, Pages 13-34

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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