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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Começar a rir (e parar de chorar)

Usar o humor para combater o estresse é uma habilidade. Que pode ser aprendida.

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Atualização:
 Foto: Estadão

O comediante Mel Brooks certa vez disse que "Tragédia é quando eu corto meu dedo. Comédia é quando você cai num esgoto e morre". Exageros à parte, a frase destaca dois aspectos do humor. O primeiro e mais óbvio é que quando as coisas nos são muito próximas elas não parecem tão engraçadas. Mas o segundo, do qual nós não tiramos todo o proveito que poderíamos, nos lembra que tudo pode ter um lado irônico. Se nós conseguimos tomar distância das coisas é possível enxergar esse lado - e vice-versa: se nos esforçamos para ver o lado irônico de algo, reduzimos seu impacto emocional.

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De fato o humor é um instrumento potente para lidar com o estresse. Por si só uma boa risada já é capaz de diminuir a carga negativa dos eventos que nos atingem - além de reduzir a pressão arterial, promover o relaxamento muscular e baixar os níveis de cortisol, hormônio diretamente ligado ao estresse. Além disso, o humor nos leva a fazer um exercício ativo de ver as coisas por outros ângulos, reavaliar as situações, o que é também uma ferramenta importante para lidar com adversidades diversas.

Mas seria possível ensinar para as pessoas as bases do humor, de modo que elas passem a utilizá-lo em seu dia-a-dia? E mais do que isso - se ajuda a aliviar o estresse e combater o mau humor, seria tal habilidade eficaz na prevenção de transtornos como ansiedade e depressão? Pesquisadores austríacos resolveram fazer o teste e convidaram voluntários que se sentissem muito ansiosos ou tristes (mas ainda sem terem adoecido de fato) para um treinamento de sete semanas, no qual eram apresentadas as bases do humor e da comédia, os aspectos positivos do riso, prós e contras da auto-ironia, inversões de expectativas entre outros. Além das atividades práticas em grupo os voluntários tinham tarefas para fazer em casa e discutir os resultados no encontro seguinte. Antes de iniciar o programa eles foram avaliados em diversos aspectos: mau humor, sensação de estresse, sintomas depressivos, uso do humor, alegria e bem estar. Posteriormente, uma semana e também um mês após completarem o treino eles foram reavaliados. Os resultados mostraram que todos os parâmetros melhoraram de forma significativa - as emoções negativas diminuíram, o humor melhorou e eles aprenderam a rir mais da vida, com ganhos no bem estar geral.

Trata-se de um estudo piloto, ainda com poucos voluntários (e austríacos, que talvez precisem mesmo de treinamento para terem mais bom humor). Mas - agora sem brincadeira - faz muito sentido. Existem situações muito sérias, das quais não podemos nem devemos tentar rir. Mas a verdade é que a maioria das coisas que nos estressa nos faria dar risada se estivessem acontecendo com o Chaplin ou o Woody Allen. Aprender a imaginá-las um pouco mais nesse contexto pode ser realmente um antídoto contra o mau humor - e quem sabe até contra quadros mais sérios.

 

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Tagalidou Nektaria, Loderer Viola, Distlberger Eva, Laireiter Anton-Rupert. (2018) Feasibility of a Humor Training to Promote Humor and Decrease Stress in a Subclinical Sample: A Single-Arm Pilot Study. Frontiers in Psychology (9):577.

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Leitura mental

 Foto: Estadão

Se podemos aprender até a usar o humor, qual será o limite para nosso aprendizado de habilidades? Talvez não conheçamos ainda os limites, como defende o cientista e psicólogo Anders Ericsson, no livro Direto ao ponto : os segredos da nova ciência da expertise, escrito em parceria com o escritor de ciência Robert Pool (Gutemberg, 2017). Analisando as evidências científicas sobre o tema, além de realizar suas próprias pesquisas, Ericsson conclui de forma categórica: o dom inato é muito mais uma crença que impede nosso progresso do que uma bênção que nos impulsiona. Muito mais importante do que super-poderes herdados, é a prática deliberada, na qual a pessoa coloca todo seu foco para alcançar metas objetivas e progressivamente desafiadoras, que produz a verdadeira expertise. Se algo é herdado talvez seja essa capacidade de persistir. Mas quem garante que isso também não pode ser aprendido?

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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