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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Ciência pública

Já imaginou se os legisladores tivessem que estudar antes de propôr uma lei?

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Atualização:
 Foto: Estadão

Num mundo tão carente de notícias boas, o lançamento do Instituto Questão de Ciência foi um bálsamo nos últimos dias. Não é apenas no Brasil que a ciência passa por uma crise: no mundo todo, e por diversas razões, o pensamento científico perde prestígio a passos largos e não tem conseguido demonstrar adequadamente sua importância para o dia-a-dia da população. A proliferação de informação sem qualidade só piora as coisas, embolando as discussões e criando falsas polêmicas.

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Visando influenciar de forma mais esclarecida - e positiva - os rumos do país um grupo de cientistas brasileiros se reuniu para ajudar a pautar alguns pontos sensíveis atuais. O financiamento pelo SUS de práticas integrativas, por exemplo, será um dos primeiros embates do think tank (vespeiro no qual eu mesmo já meti a mão). Todo mundo conhece alguém que diz já ter melhorado de uma alergia com homeopatia ou que se livrou da ansiedade com florais. Por isso as pessoas tende a ver com bons olhos a inclusão de tais práticas no sistema público de saúde. Mesmo que saibam que "os cientistas são contra", essa experiência individual pesa a favor das práticas sem base científica.

O esforço do grupo será explicar para a população que os cientistas não são "contra". Trata-se de uma questão de metodologia. É importante que o povo compreenda o que é um ensaio clínico, por exemplo, no qual diversos pacientes com a mesma doença tomam o remédio sendo testado ou um placebo, sem efeito, mas não sabem se estão recebendo o tratamento real ou não. Nesses estudos tratamentos alternativos demonstram alguma eficácia - os pacientes melhoram - mas numa taxa igual ao placebo. Ou seja, é verdade que muita gente fica bem. Mas é também verdade que não fez diferença receber aquele remédio ou um comprimido de farinha. Como em lugar algum do mundo há dinheiro suficiente para financiar o tratamento de todas as doenças para todas as pessoas fica mais claro por que os cientistas se opõe a investir dinheiro em terapias alternativas. Cada real investido num floral significa um real a menos investido em insulina.

Há anos, depois de ler a notícia obrigando as autoescolas a dar aulas de direção à noite, mesmo sem base para justificar a eficácia da medida,  tive a ideia de lançar uma campanha por Legislação Baseada em Evidências . E se os políticos fossem obrigados a justificar suas propostas com bases científicas? Imagine que revolucionário. Claro que a solitária campanha não decolou. Mas quem sabe agora?

Faço votos para que o Instituto Questão de Ciência prospere e dê frutos, que ajude legisladores e eleitores a compreender um pouco melhor como funciona a metodologia científica, por que ela é fundamental e - acima de tudo - que consigam inseri-la no debate político. E desde já assumo publicamente o compromisso de ajudar no que estiver ao meu alcance para o sucesso da empreitada.

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Leitura mental

 Foto: Estadão

Filha de um médico e cientista, a escritora Jennifer L. Holm cresceu num ambiente em que raciocínio e prática científicos faziam parte do dia-a-dia. Ela conta que placas de petri ficam na geladeira de casa ao lado do queijo cottage. Essa trivialidade da ciência está presente no seu romance juvenil O 14o. peixinho dourado (Rocco Jovens Leitores, 2018). Na história uma pré-adolescente convive com o avô que descobriu uma fórmula para reverter o envelhecimento. O trunfo da história é mostrar como a protagonista vive os dilemas próprios dessa fase ao mesmo tempo em que vai descobrindo o método científico, refletindo sobre as implicações dos avanços da ciência e reconhecendo o papel social dos cientistas. Sem divisões estanques, a narrativa coloca a ciência fazendo parte do cotidiano. Porque de fato ela faz.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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