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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Candidato, quais foram seus principais erros?

"Candidato, quais foram seus principais erros?" Sorrio só de pensar nos segundos de silêncio que se seguiriam à pergunta. Visualizo o início da resposta gaguejada, revelando que ela não tinha sido ensaiada com os marqueteiros, e a inútil tentativa de não respondê-la.

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Atualização:

Essa era a pergunta que eu adoraria ouvir numa das entrevistas ou debates eleitorais. Assim, a seco: Candidato ou candidata, conte para o eleitor três erros na sua carreira recente. Imagino o desconcerto do político diante do inesperado dilema entre fingir ser infalível ou arranhar sua imagem falsamente construída.

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Deixo a sugestão para os âncoras, antevendo desde já grandes benefícios com a pergunta:

1 - Aumentaria a credibilidade - Ninguém acredita de verdade em tudo o que está sendo dito nos discursos eleitorais, nem os próprios candidatos. Como não pode ser tudo verdade, sabemos que uma parte que ouvimos é mentira, mas não temos certeza do quê é o quê. Como consequência, ficamos desconfiados de tudo e saímos com a sensação de não termos sido convencidos de nada. Obrigar os políticos a confessar pecados (dos quais já desconfiávamos) seria um golpe de sinceridade na falsidade plástica que domina o cenário. Com isso talvez até coisas boas fossem apresentadas de forma mais convincente: "Sim, eu errei nessa decisão, mas em compensação..."

2 - Promoveria a empatia com os políticos - Quando se assumem os erros a maior tendência dos seres humanos é à reconciliação, não à vingança. Provavelmente essa forma de lidar com os tropeços foi mais vantajosa do ponto de vista evolutivo para os agrupamentos sociais. Diante dos erros podemos bater o pé, sofrendo punições do grupo, ou ceder, buscando aprendizado para o futuro e recebendo perdão dos membros. O candidato que percebesse que negar os erros nos dá raiva, mas confessá-los nos faz sentir empatia (quem não erra afinal?, pelo menos ele está assumindo), poderia disparar na simpatia do eleitorado.

3 - Ajudaria a explicar o plano de governo - Os discursos políticos que buscam a perfeição, como se as carreiras dos candidatos tivessem sido absolutamente livres de enganos, transmitem a mensagem de que não há nada a ser melhorado. Se não há defeitos, não há o que corrigir (no país, no estado, na carreira). Como sabemos que isso não é verdade (sempre existe um mundo de coisas por fazer), quem nega os problemas fica devendo soluções.

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4 - Enriqueceria a biografia dos candidatos - Nós aprendemos mais com os erros do que com os acertos. O cérebro humano aprende comparando as previsões de nossos comportamentos com seus resultados - quando há diferenças, a memória é estimulada, levando a correções de rumo. Quando o resultado é exatamente como previsto (ou seja, não houve erro) não existe aprendizado. Contando sobre alguns de seus erros na carreira, o político poderia nos mostrar o que aprendeu ao longo da vida (negando qualquer falha, inferimos que ele não aprendeu nada).

5 - Seria engraçado - Sorrio só de pensar nos segundos de silêncio que se seguiriam à pergunta. Visualizo o início da resposta gaguejada, revelando que ela não tinha sido ensaiada com os marqueteiros, e a inútil tentativa de não respondê-la. "Candidato, o senhor não respondeu. Conte-nos sobre seus equívocos políticos", insistiria o jornalista. Um bálsamo de diversão na modorra que podem ser essas entrevistas.

Eu sei, eu sei. Não irá acontecer. Tudo bem. Eu me divirto imaginando...

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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