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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Brigas no tatame e no twitter

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Atualização:

Uma infeliz conjunção de fatores contribuiu para o bate-boca público em que a atleta Rafaela Silva se envolveu após ser desclassificada na competição de judô por ter aplicado um golpe irregular.

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Para os que não acompanharam, o caso teve início poucas horas depois de a atleta sair dos jogos olímpicos por ter agarrado a perna da adversária com as mãos, o que não é mais permitido. Ao checar o que se estava comentando sobre o fato no twitter, Rafaela deparou-se com agressões violentas, chamando-a de macaca, desqualificando-a e dizendo que ela deveria voltar rastejando para o Brasil. Sua resposta foi imediata e no mesmo tom, dando origem a uma escalada de agressividade que foi parar no Comitê Olímpico Brasileiro. Os fatores que tiveram esse desafortunado encontro foram o estado emocional predisposto à agressividade em que ela se encontrava e o mau uso das redes sociais que frequentemente vemos acontecer.

O judô, como todas as lutas e a maioria dos esportes, é uma maneira ritualizada de expressarmos as tendências agressivas que temos desde sempre, como já conversamos por aqui. Aliás, a luta é o esporte mais antigo da humanidade porque provavelmente foi só quando conseguimos colocar normas nas embates físicos que criamos algo que pudesse ser chamado de sociedade. Historicamente todos os períodos da humanidade conheceram formas de bater e apanhar com regras mínimas, da luta na antiguidade clássica, passando pelos gladiadores romanos, pelas justas na idade média, até chegar ao boxe moderno e finalmente ao MMA.Não espanta, portanto, que as pessoas envolvidas em torneios, sobretudo de lutas, apresentem um nível alto de agressividade, sem o qual nem adianta entrar na disputa. Foi com esse estado de espírito, potencializado pela raiva frustração pela derrota, que Rafaela deu de cara com as agressões na internet.

As redes sociais entraram como catalisadoras da reação, que se torna explosiva. De fato, não são poucos os casos que temos visto de brigas, discussões e ofensas por esses meios onde, envolvidos numa aparente imunidade dada pela sensação de distanciamento com que as pessoas interagem, verdadeiras guerras verbais acabam acontecendo. Associado à publicidade imediata e abrangente que esses meios trazem em si, os casos ganham uma repercussão enorme, e, o que é pior, duradoura.

No fim das contas Rafaela se desculpou e diz que não pretende levar o caso em frente. Melhor. Ela tem uma históriade vida emocionantes, tendo sido revelada para o mundo por um projeto social na Cidade de Deus, e como todos nós merece ser lembrada por suas conquistas, muito mais do que por seus tropeços.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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