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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Assustadoramente normais

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Atualização:

[tweetmeme] O caso de José Agostinho Bispo Pereira foi comparado ao do austríaco Joseph Fritzl, o que levou um repóter a me pedir um artigo breve de análise do caso. Ele começou a abusar da filha quando ela tinha 12 anos e, desde então, vivia maritalmente, mantendo-a em cárcere privado. Teve com ela sete filhos, e abusava também de uma filha-neta. A pauta acabou derrubada, e como o texto não foi publicado, transcrevo-o abaixo - não chega a ser grande novidade para os que já acompanham nossas ideias, mas nunca acho demais repeti-las:

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"Todas as vezes em que crimes como o de José Agostinho Bispo Pereira chegam às manchetes, juntamente com os detalhes que vão aparecendo surge a suspeita de que essa é uma pessoa perturbada. Seu ato consegue ser ainda mais cruel do que os muitos casos de abuso sexual, já que manter a filha por quinze anos em cárcere privado, abusando não só dela, mas também dos filhos-netos, vai além de qualquer coisa que possa ser chamada de normal.

Confrontada com tais casos a sociedade volta-se para a Psiquiatria, perguntando como isso pôde acontecer e o que pode ser feito com tais pessoas. As respostas que temos a oferecer, contudo são poucas, porque ser anormal não implica em ter um transtorno mental. Sabe-se que a maioria dos criminosos não tem qualquer doença psiquiátrica e que a maioria dos abusadores de crianças não tem sequer o diagnóstico formal de pedofilia.

Diante da dura conclusão de que maldade existe de forma independente da loucura, a Psiquiatria não pode se arrogar a dizer qual a origem do mal. Além dos fatores psicológicos, uma infinidade de outros - sociais, culturais, econômicos, religiosos - influi na gênese dos crimes, mesmo dos mais bárbaros. E assim, por frustrante que seja, não conhecemos sua cura. Como a junta de psiquiatras concluiu sobre o carrasco nazista Eichman, as pessoas podem ser extremamente más e, ainda assim, ser "assustadoramente normais"."

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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