PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Psiquiatria e sociedade

Opinião|Arrependimento libertador

Admitir que votamos em quem não gostamos pode ser terapêutico.

Foto do author Daniel Martins de Barros
Atualização:

foto: Kevin Dooley Foto: Estadão

Você quer que alguém adote uma nova atitude? Dê um jeito de a pessoa defendê-la publicamente. Nem precisa ser algo muito formal - provavelmente um post numa rede social ou um vídeo no Whatsapp deve resolver.

PUBLICIDADE

Foi assim que comecei a fazer atividade física regularmente, por exemplo. Começou a ficar desconfortável insistir com meus pacientes na importância de se exercitar e eu mesmo continuar sedentário. Isso se chama dissonância cognitiva - o desencontro entre nossas opiniões e nossas ações geram um mal-estar que nos leva a mudança.  Ou de opinião ou de comportamento. Desde promoção de sexo seguro entre jovens até programas para abandonar o cigarro, quando as pessoas defendem publicamente uma ideia torna-se incômodo contrariá-la na prática.

O inverso também ocorre: quando não podemos mudar um comportamento (e esse comportamento contraria algo que defendemos) fazemos uma tremenda força para mudar de opinião. Soldados americanos presos no Vietnã que precisavam escrever textos elogiando o comunismo em troca de comida tornaram-se simpatizantes do regime. Convenceram-se de que ele não era tão ruim - afinal, eles o tinham elogiado.

É o que acontece com eleitores que ficam desiludidos com os políticos que elegeram mas seguem em sua defesa. São as pessoas que não votaram por convicção e por isso não compactuam com as atitudes que veem os eleitos tomar. Mas como é difícil aceitar que se votou em alguém com quem não se concorda esses eleitores se convencem que, bem, até que não é tão ruim; não é bem assim; não foi exatamente isso o que ele quis dizer; tudo para reduzir a dissonância cognitiva. O risco é que se conseguirem diminuir esse desconforto podem, no futuro, agir novamente em discordância com suas convicções.

Como se arrepender sem sofrer? Entendendo que houve um motivo forte para agir de determinada forma. As pesquisas mostram que quanto menos se oferece para alguém (só uns trocados, só um prato de comida), mais as pessoas se convencem que agiram de forma correta, distorcendo os fatos ou ajustando suas crenças - é o tal "Não é tão ruim assim". Mas quando as motivações são reconhecidas como fortes (muito dinheiro, grandes recompensas etc.), é mais fácil para as pessoas tolerarem a dissonância - conseguimos dizer para nós mesmos que fizemos porque pagaram bem, porque era a única opção, valia a pena, e não porque concordemos de fato.

Publicidade

Então se votou em alguém mas não está gostando muito do que tem visto, o arrependimento é o primeiro caminho para a mudança. Ainda que você pense que faria a mesma escolha se voltasse no tempo porque não vê outra opção no passado, isso não significa que precisa continuar defendendo o sujeito.

Depois que se convencer que não havia outra alternativa, volte a pensar no assunto. E perceba como o arrependimento pode ser libertador.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.