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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Anotar à mão ou no computador? Tanto faz para quem usa a cabeça

Recentemente fez sucesso a notícia de que anotar a aula à mão é melhor do que no computador para o aprendizado. Mas os avanços que marcaram a história da humanidade não se deram pelo abandono de novas tecnologias e a volta às anteriores. Nós só progredimos mesmo quando incorporamos às novas tecnologias a essência atemporal do que nos faz humanos.

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Atualização:

Recentemente fez sucesso a notícia de que anotar a aula à mão é melhor do que no computador para o aprendizado. Os brados de "eu sabia" se fizerem ouvir ao redor do mundo, claro que via internet e em mensagens escritas no computador. Mas como outros tantos casos, uma análise mais profunda do estudo que trouxe essas conclusões mostra que o problema não está na tecnologia em si, mas no uso que fazemos dela.

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O objetivo da pesquisa era comparar o quanto os alunos aprendiam em aulas sobre temas diversos caso fizessem as anotações com o tradicional meio papel-e-caneta ou em um computador. Após assistir às palestras, os estudantes realizavam uma atividade para distrair e só depois respondiam à prova. Os cientistas fizeram dois tipos de perguntas: algumas sobre informações objetivas, fatos, e outras sobre questões conceituais, ideias transmitidas. Não houve diferença na taxa de acerto sobre as perguntas factuais, mas com relação aos conceitos, quem havia anotado à mão se saiu muito melhor do que os utilizando laptops. Esse padrão também se manteve quando a prova foi aplicada uma semana depois, quando os alunos podiam consultar suas anotações.

Mas antes que se conclua que o problema é o computador, é bom saber o que raios as pessoas estavam escrevendo enquanto assistiam às aulas. As duas principais diferenças foram em número de palavras e em anotações literais: quem escreveu à mão utilizou menos palavras e quase metade de transcrições exatas das palavras dos palestrantes. E quando as análises foram feitas levando em conta essas características, a vantagem do caderno praticamente desapareceu (foi apenas marginalmente significativa). O que parece estar acontecendo é que, ao facilitar o processo de escrita, o teclado permite que as pessoas tornem a anotação um processo automático, colocando menos esforço mental na tarefa. O uso da caneta, mais custoso, leva os sujeitos a pensar mais no que estão fazendo. Por isso quase não houve diferença entre quem usou computador de forma consciente e quem usou papel.

Por isso insisto que o problema não está na tecnologia, mas em como a usamos. Existem relatos de que quando a escrita se disseminou as pessoas também reclamaram, porque a partir dali ninguém mais precisaria prestar atenção e fazer força para decorar nada, bastaria anotar. Aliás, esse seria um complemento bom para o estudo: se as pessoas soubessem que fariam prova e não pudessem anotar nada, será que não se sairiam ainda melhor nas questões conceituais?

A solução não é condenar os avanços tecnológicos - pois assim como os e-books ou a lasanha de microondas eles vêm para ficar (ao menos até serem superados). Temos, isso sim, que aprender a utilizá-los de não apenas de maneira eficiente (como anotar mais palavras por segundo de forma quase inconsciente), mas de maneira eficaz (como anotar mais rapidamente, mantendo a mente alerta para captar a mensagem).

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Afinal, os avanços que marcaram a história da humanidade não se deram pelo abandono de novas tecnologias e a volta às anteriores. Mas também não basta desenvolver novas ferramentas. Nós só progredimos mesmo quando incorporamos às novas tecnologias a essência atemporal do que nos faz humanos.

Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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