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Psiquiatria e sociedade

Opinião|Angelina Jolie - saúde pública, medo e bioética

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A decisão de Angelina Jolie, revelada nesta terça-feira, de realizar mastectomia radical bilateral preventiva - ou seja, retirar totalmente os dois seios mesmo sem ter câncer - envolve muito mais questões, desde saúde pública até bioética, do que se poderia esperar de mais uma notícia sobre o mundo do entretenimento.

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Do ponto de vista da saúde pública, uma das primeiras perguntas que surge é se seria recomendável submeter todas as mulheres ao mesmo teste que ela fez. Tal exame mostra a presença ou não de mutação nos genes chamados BRCA1 e BRCA2, que, se presente, aumenta muito o risco de desenvolvimento de câncer de mama e de ovário. Estima-se que tal mutações sejam raras na população geral, cerca de uma em cada mil mulheres as apresentariam. Além disso, a presença da mutação não traz certeza da doença, nem sua ausência é garantia de não ter algum desses cânceres. Por isso, ao menos por enquanto, relação entre custo e benefício da testagem recomenda que esta só seja feita em mulheres com clara história familiar dessas doenças.

Sim, porque há custos envolvidos - o exame feito por Jolie é patenteado, custando em média U$ 3.000,00 por teste. A empresa que o patenteou divulga ter gasto meio bilhão de dólares no seu desenvolvimento, e 80% do seu faturamento hoje depende dele. O dilema bioético que surge é evidente - é justo cobrar caro por um exame que poderia salvar a vida das pessoas que não poderão pagar por ele? Por outro lado, é justo forçar a empresa a não cobrar o quanto calcula ser viável, levando em conta os investimentos? Existem ações na suprema corte americana querendo derrubar a patente, ou os custos, mas não há resposta fáceis para a questão.

E finalmente, há que se levar em conta que, mesmo naquelas com história familiar, com o teste positivo, a opção de retirar ambos os seios antes de eles adoecerem não é nada simples. Estudos que acompanharam por mais de dez anos centenas de mulheres que fizeram tal opção mostram que, embora 70% delas estivessem satisfeitas com a intervenção radical, 19% ficavam insatisfeitas com o passar do tempo (11% se mantiveram neutras). Os principais benefícios, sem dúvida, eram a redução do medo de ter câncer e do estresse; mas uma em cada quatro se sentia menos feminina, e 36% ficaram insatisfeitas com sua imagem corporal.

Não há o que se questionar quanto à coragem de Angelina Jolie, tanto de se submeter ao tratamento, como de expor seu caso publicamente. Mas se tal coragem serve de exemplo para todos, o mesmo não se pode dizer das opções terapêuticas que ela fez.

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Opinião por Daniel Martins de Barros

Professor colaborador do Dep. de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Autor do livro 'Rir é Preciso'

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