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Self-service de humor

Opinião|Suprema ceia

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Atualização:

Peça em um ato.

(Arte: British Library)  

Garçom e ministros do STF em jantar oficial da casa. O garçom, servindo a autoridade à francesa, a interpela gentilmente:

Garçom: Posso servi-lo, senhor ministro?

Ministro: Sim, por favor traga um Sauvignon Blanc para começar...

Garçom vai até uma mesa de apoio, apanha a garrafa e antes desarrolhá-la exibe-a ao ministro.

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Garçom: Eis aqui: a colheita foi feita a mão e o vinho já foi premiado internacionalmente, conforme pede o item seis do Objeto no Edital de Licitação do STF.

Ministro: E a taça, é de cristal?

Garçom: É sim, ministro.

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Ministro (pegando a taça, uma colher e batendo no vidro); Não, garçom, isto não é cristal em absoluto. É som de vidro comum.

Garçom (constrangido): É que...

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Ministro: Data vênia, o item 13, do Objeto, é muito claro: "a contratada deverá fornecer os copos e as taças de CRISTAL, bem como gelo de água francesa Badoit. Isto tem jurisprudência para todos os tipos de refeição institucional, desde um coquetel até um jantar formal."

Garçom: Peço a devida vênia ao ministro para buscar uma opinião mais abalizada. Trarei o maître até sua mesa. Posso manter sua entrada como sendo o lagostim trufado e vol-au-vent de amoras silvestres alsacianas?

Ministro: Seria uma substituição dos medalhões de lagosta ao molho de manteiga da Prússia, presente no Edital, que os senhores hoje não tem?

Garçom: Exatamente!

Ministro: Deferido.

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O garçom sai fazendo reverências. Na sequência entra o maître e curva-se diante da autoridade.

Maître: Senhor ministro, peço-lhe escusas por esse desagradável episódio. Trago aqui uma taça especial, em cristal da Boêmia, para apreciação...

Ministro (batendo novamente com a colher no vidro): Sentiu a diferença do som? Agora sim, esta aqui é de cristal.

O garçom, que deixara o local, traz a entrada e a coloca na frente do ministro.

Ministro (fazendo careta de insatisfação): Ab uno disce omnes! 

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Maître e garçom se entreolham, assustados.

Ministro (irônico) Pelas qualidades desse lagostim, pode-se dizer que ele é da família dos camarões sete-barbas. E, ainda por cima, daqueles bem miudinhos.

Maître: Mas, ministro, nós...

Ministro (interrompendo-o): Citando o jurista Bandeira de Mello: "Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos."

Maître e garçom (tremendo): Sim, sim...

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Ministro: O que vejo diante de mim é uma transgressão ao princípio de que um lagostim é um lagostim, não um camarão de adicionar em receita de acarajé. In dubio pro locustam marinam, diriam os magistrados mais apressados. Porém, não vou aceitar um logro. Não existe crime sem culpa - exijo o prato que pedi. Agora!

Os dois servidores saem correndo rumo à cozinha. Um outro ministro, sentado na mesa ao lado, dirige-se ao colega de Supremo.

Outro Ministro (sorrindo): Botou os serviçais para correr, hein, colega?

Ministro (orgulhoso de si): É, a gente tem a obrigação de moralizar o país, não é mesmo?

Outro Ministro (amistoso): Sim! Venha aqui tomar um tacinha de Veuve Clicquot comigo.

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Os dois sentam-se juntos. Batem as taças de cristal da Boêmia e dizem:

Outro Ministro: À decência!

Ministro: Ao recato!

Cai o pano.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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