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Opinião|Respeitem meus cabelos tingidos

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Atualização:

"Se me lembro dela me dá saudade. Por ela vivo aos trancos e barrancos, respeitem ao menos os meus cabelos brancos"-  já dizia o Herivelto Martins na voz do Nelson Gonçalves. Não é o meu caso em relação a mulher alguma, mas também desrespeitaram as minhas cãs.

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Foi uma cabeleireira. Atendi à sugestão dela de revigorar meu topete fundo-de-piscina. E, ao mesmo tempo, para deixá-lo com um pouco mais de cor, consenti que aplicassem dois produtos sobre meus fios embranquecidos.

Horas depois, já em casa, notei que o efeito tinha sido devastador. Eu estava de cabelos pretos.

Bateu um desespero na hora. Mas já era tarde da noite e o jeito era esperar amanhecer para ver como reparar o dano.

Foi uma madrugada de sonhos sobressaltados. Em meu teatro íntimo me vi sofrendo bullying dos colegas de trabalho, recebendo apelidos escabrosos por causa de um castor que eu trazia sobre a cabeça. Despertei todo suado e babado e, ato contínuo, corri ao espelho. Eu não tinha um castor sobre o cocoruto, mas a cor da minha crina não era muito diferente daquele roedor dentuço.

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Era domingo. E, aos domingos, os salões de beleza não funcionam. Depois de muito buscar no google encontrei num shopping, há milhas de casa, uma coiffeur que encontrava-se operante.

Horas depois, a profissional das tintas Rosicleide me aconselhou uma lavagem profunda para retirar tudo o que estava impregnado em meu couro cabeludo. Senti-me um poodle num pet-shop de tão esfregado, seco, reesfregado e ressecado.

Após a operação deram-me um espelhinho de mão. O cabelo perdera cerca de 30% do pretume, mas continuava longe do meu branco-pérola.

- Aí só descolorindo - atestou Rosicleide com a autoridade de uma Phd em engenharia química. E acrescentou:

- Só que demora e pinica.

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Não havia saída. O castor continuava vivo sobre minha cabeçorra e a volta ao escritório no dia seguinte era inexorável.

O descolorimento levou mais de duas horas. E pinicar foi um eufemismo barato da cabeleireira. A pasta branca aplicada sobre meus pobres pelos teve efeito de mercúrio-cromo sobre uma fratura exposta.

Após ficar numa espécie de estufa quentísssima fui novamente lavado e seco. Veio o espelhinho de mão: eu estava louro como um nórdico.

Rosicleide falou que era a luz fria, que quando eu saísse à rua notaria que estava com meu tom anterior preservado.

Acreditei. Mas, na dúvida, fui ao escritório de boné. Os colegas estranharam. De fato, em 30 anos de atividade, jamais fui trabalhar usando qualquer tipo de chapéu, quanto mais um boné dos Yankees do meu filho de 11 anos.

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Ali pelas três da tarde, com o calor que fazia, decidi ficar sem nada me protegendo. Passaram-se duas horas e ninguém arriscou um comentário.

Tomei coragem e sai em direção ao café. Dois companheiros tiravam expressos da máquina italiana. Continuaram em sua pausa da tarde. Quando ia saindo um deles comentou:

- Meu, você está a cara do David Bowie no clipe Let's Dance. Tingiu o cabelo, boneca?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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