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Opinião|O mundo gira, quem se muda roda

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Atualização:

Nada mais parecido com a vida do que uma mudança de residência.

 

(Pixabay)  

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Semana passada me mudei de casa. E cheguei à uma curiosa conclusão. A experiência de finalizar uma mudança é bem semelhante à de acordar de uma longa cirurgia.

Para começar, saí de um sobrado para um apartamento menor do que o IDH brasileiro. O novo imóvel é tão pequeno, tão pequeno, que, se entrarem mais de três pessoas, caem as máscaras de oxigênio.

Dizem que a graça de viver é passar por sobressaltos. Se for, não há nada mais parecido com a existência do que uma mudança.

No meu caso, os percalços tiveram início cedinho. Os trabalhos estavam marcados para as nove. Houve, no entanto, uma falha no agendamento e o caminhão estacionou em minha porta um pouco antes: às seis da manhã. Sou notívago, deixo de ser zumbi só após o meio-dia. Promover a saída do meu domicílio foi quase como liderar as tropas da Retirada da Laguna, bêbado de sono.

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A primeira reviravolta se deu quando foram tentar entrar com a máquina de lavar na área de serviço do apê. Como ali há uma porta de vidro, a geringonça não passava nem com KY Gel. A má notícia: a cozinha totalmente preenchida pela lavadora. E roupas limpas só após a desmontagem do box de vidro por um especialista em peças siliconadas. Tudo bem, o que é andar com vestimentas sujas para quem já está todo emporcalhado? Pois é, mudar é se sujar. De graxa, pó, restos de lixo, tinta e bolor, muito bolor.

Outra unanimidade nas trocas de endereço são as caixas de papelão. A caça pelos raros artefatos começa semanas antes por botecos, restaurantes, lojinhas de bairro e especialmente por supermercados. Tive a sorte de encontrar um que dispunha delas em quantidade. Cada vez que ia até lá saía feliz, equilibrando meia dúzia nas mãos. Na penúltima ocasião em que entrei no estabelecimento, ouvi uma funcionária sussurrando à outra:

- Chegou o hômi das caixas...

- Não compra nada, é só atrás de coisa pra embalar os trens.

Um cigano não tem nada a ganhar, nem a perder. Pode ouvir o impropério que for, seguirá em sua busca inabalável de ir de um ponto a outro. Até que chega o dia de instalar a internet na morada. Após ter realizado dezenas de enfadonhas ligações à operadora, soa a campainha: é o técnico! Não vai dar nem bom dia e já disparar:

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- Tem água gelada, patrão? Tá um forno!

Acontecerá em seguida, óbvio, um problema que poderá impedir o seu tão necessário sinal.

- Ih, mano, olha esse conduíte...todo obstruído! Aí complica...

Depois, como não vai conseguir puxar a fiação, será preciso instalar o roteador no banheiro.

- É, doutor, mas fica com meu zap. Fim de semana faço bico, dou um jeito.

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Quando se começa a ficar feliz pelo sinal alcançado, vem o arremate.

- Peraí, bacana, vou ter que fazer só um reboot. Pra religar o modem, preciso de um palito.

Onde achar um palito Gina em meio a um palheiro de caixas de papelão rasgadas, móveis desmontados, cobertores protegendo quadros e bolor, muito bolor?

É isso ou ficar sem wi-fi. E, ficar sem wi-fi, é estar mais isolado do que uma iguana nas Ilhas de Páscoa.

Restou-me tocar a campainha do vizinho. Apresentei-me e, sem claquete, já fui solicitando o palito. Gentilmente, o senhor de meia idade foi tentar achar em outro cômodo. Momentos depois retornou dizendo:

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- Palito não tenho, serve fio dental?

Foi então que acabou o efeito dos anestésicos e acordei, grogue, da minha longa cirurgia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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