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Opinião|O Horror

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Foto do author Carlos Castelo
Atualização:

Sobre uma visita à cidade natal de Lovecraft.

 

(Pixabay) Foto: Estadão

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Quando eu era um sujeito de vinte e poucos anos apreciava muito a literatura de terror.  Comecei lendo Poe, A Queda da Casa de Usher, entre outros muitos. Depois mergulhei no paganismo do Arthur Machen  - O Grande Deus Pã - até desembocar numa religião chamada Howard Philip Lovecraft.

Nela encontrei tudo o que poderia imaginar num criador de narrativas insólitas: universos paralelos, cores que caem do céu, termos cifrados. Sem falar naqueles seres, que podiam tanto ser monstros, como qualquer outra hediondez que a imaginação do leitor supusesse - dependendo do nível de paranoia de cada um.

Depois que terminei Um sussurro nas trevas estava completamente intoxicado pela mitologia de Cthulhu e outras referências imaginadas pelo mago do incomum.

 

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Aproveitei uma viagem que fiz como jornalista para Nova Iorque e resolvi pegar um trem até Boston, cruzar a Nova Inglaterra chegando até Providence, berço de Lovecraft, ali pelo meio da tarde.

Antes passei na Public Library nova-iorquina e pesquisei as residências em que o recluso escritor passara sua vida naquele lugar. Ao descer do trem parei um táxi e perguntei se havia ali algum museu dedicado a H.P. Lovecraft.

- Craft, who? - disse o motorista sem saber do que eu falava.

Não foi diferente com os outros moradores da pacata localidade.  Fui aos três endereços que constavam como moradia de Lovecraft e não havia sinal de sua passagem. No derradeiro imóvel havia uma velhota que via o futuro nas linhas das mãos. Repeti a pergunta sobre o escritor.

- Por que não tenta o cemitério? - sugeriu ela, enquanto penteava a longa juba ruiva com uma escova em forma de estrela de Davi.

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O dia estava alcançando seu apogeu quando consegui chegar à última morada de H.P. Percorri as alamedas por algum tempo até avistar o túmulo. Finalmente, eu prestava uma homenagem comme il faut a um dos autores que mais li na juventude.

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Quando passei a me interessar por ele havia um ou dois livros no Brasil. Capas feíssimas, editados pela editora Francisco Alves. Hoje há muitas obras à disposição em português.

Depois de tomar contato com algum texto lovecraftiano, sugiro a leitura de um que acaba de sair pela Intrínseca: Nossa Parte de Noite, da argentina Mariana Enriquez.

A história é sobre um pai e um filho que cruzam a Argentina de carro, de Buenos Aires até as Cataratas do Iguaçu. São os anos da ditadura militar argentina, soldados armados estão no controle e o ambiente é de tensão. O pai tenta sozinho proteger Gaspar, seu filho, do destino que lhe é designado. A mãe do garoto morreu em circunstâncias obscuras, em um suposto acidente. Como o pai, Gaspar recebeu o chamado para ser médium em uma sociedade secreta, a Ordem, que se relaciona com a Escuridão em busca da vida eterna por meio de rituais atrozes.

Em resumo: uma inusitada mistura do terror consumado pelas tiranias sul-americanas com o horror criado pelo escritor que me levou, um dia, a sair do meu caminho e desviá-lo até Providence.

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Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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