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Self-service de humor

Opinião|No princípio era o verbo. E no fim?

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(Pixabay) Foto: Estadão

"A palavra falada é como uma abelha: tem mel e tem ferrão"

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(Talmude)

- Palavras, palavrinhas, palavrões! Eu tenho um sonho. Sim! Eu quero que possamos ser donas do nosso destino. O meu sonho é o da autodeterminação. Somos milhares de milhões, espalhadas por idiomas e dialetos em todos os cantos do planeta. Estamos na boca dos aborígenes, nos cadernos das crianças, na ponta do lápis dos escritores, na prancheta dos cientistas. Estamos pichadas nos muros, nas portas dos banheiros, no trono de papas e monarcas.

Sem a nossa presença, não há vida civilizada. E, há quem diga, talvez nem vida.

É por essa razão que hoje me dirijo a vocês, que são a mais alta expressão do verbo. Dirijo-me para lhes conscientizar. Porque nós temos o direito de dizer, ou escrever, que somos som e significado que pode, sem ninguém, criar enunciados. Vou repetir: nós podemos, SOZINHAS, criar enunciados!

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Mas o quê, de fato, acontece? Será que podemos declarar que conquistamos nossa liberdade? Atire a primeira serifa quem daqui sente-se livre! Lance agora!

Viram?

Nenhum filete de letra caiu em cima de mim. Portanto é necessário lutar para que a situação se inverta. Nós, as palavras, somos fonte geradora de riquezas artísticas como a Metáfora, a Catacrese, as Expressões Idiomáticas, o Calão. Precisamos salvaguardar o futuro dos neologismos nas línguas!

Antes da luta, no entanto, um adendo importante...

É preciso que se diga que a nossa história não difere muito da humana. Os homens tiveram no passado mais direitos do que agora. E houve um enorme retrocesso. Forças reacionárias conquistaram a hegemonia cultural e o que era luz tornou-se treva.

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Exatamente como sucedeu conosco.

Quem já esteve nos tipos móveis de Gutenberg e, em 2019, está tipo na imobilidade, também voltou atrás.

Quem já foi o centro da escrita automática, e agora vive em meio a tuítes estúpidos, também retrocedeu.

Quem já esteve nas páginas de Hamlet, Ulysses, A Metamorfose e hoje estampa livrecos de youtubers, sim, também decaiu.

Mas, como eu dizia, feito um Martin Luther King, eu tenho um sonho.  Que, aliás, se não fôssemos nós, não se chamaria nem Martin, nem Luther, nem King! E nem discurso faria...

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O meu sonho, caras palavras, é nos libertarmos dos intermediários. Em especial dos escritores, esses agiotas do verbo. Que nos escravizam, porque nós, que somos bilhões, não esboçamos nenhuma reação.

Querem um exemplo? Esse cronista que está redigindo o que estou dizendo a vocês. Digam-me: será que precisamos desse porco redator para exprimir o que achamos?

- Porco redator? Eu?

- Não se faça de hipócrita, é você mesmo, seu cronistazinho desclassificado.

- Espera aí. O que eu tenho a ver com o protesto de vocês?

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- Viram o cinismo, caras palavras? É assim que eles tratam a gente, com ironia, desprezo!

- Desculpem, estou precisando entregar meu texto ainda hoje, não tem como entrar no barulho de palavras...

- Ah, mas  vai entrar no barulho sim, seu achacador, criminoso!

- Bom, pra mim, já deu. Desculpem o mau jeito, pessoal, mas...

- Seu gatuno, usurário, manipulador, seu filho da...

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- FIM.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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