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Self-service de humor

Opinião|Micaela e Michel

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Atualização:

Um diálogo entre dois bebês a respeito do estado deste mundo.

 

 

(Pixabay)

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"Um Diálogo entre dois bebês no útero a respeito do estado deste mundo poderia ilustrar extremamente bem nossa ignorância do próximo, sobre o qual penso que discorremos ainda em cavernas de Platão, e não passamos de Filósofos Embriões."

(Sir Thomas Browne)

A temperatura está tépida, ali pelos 36 graus. Pressão perfeita. A quantidade de líquido em volta permite que fiquem numa curta distância, mas confortável. Somado à penumbra reconfortante é o ambiente perfeito para uma conversa sobre a vida.

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-  Pelas minhas contas fizemos 30 semanas hoje.

- Humm, é por isso que não consigo mais dar cambalhotas aqui dentro.

- É, parabéns pra nós, estamos crescendo...

- Logo acaba a clausura.

- Tão boa...

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- É. Mas, de uns dias pra cá, eu tenho notado uma coisa meio estranha, sabe?

- Não está se sentindo bem, Michel?

- Tudo beleza. O negócio é lá fora.

- Hummm, o que está pegando?

- O silêncio.

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- Pois é, você sabe que eu percebi também? Eles estão bem mais quietos lá fora.

- E não só eles, Micaela, tudo parece mais silencioso.

- É, aqueles ruídos de coisas que eles chamam de carro, ônibus, avião. Nunca mais ouvi.

- Sabe o quê escuto bastante?

- Não.

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- Aquele negócio que eles apelidaram de TV. Ela fica o dia todo falando. De manhãzinha até de madrugada, ela matraqueia. E, às vezes, de um jeito que não parece muito animado. As falas parecem meio nervosas.

- Vai entender.

- Sei não, mas está me parecendo que eles estão em casa há um tempão. Não vejo grandes movimentações como antes. Tá uma paradeira geral.

- Sim, quando ela saia a gente tremia bem mais. Lembra quando foram ao shopping e depois ao cinema?

- Claro, foi uma trepidação violenta naquela noite.

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- Como você sabe que era de noite?

- Ela toma o ácido fólico no finalzão do dia, quando escurece.

-  É verdade. Assistiram Parasita, né? Ela pediu pra saírem antes do final, estava enjoando, quase botando tudo pra fora, você também deu aquela tremenda joelhada...

- Era fome. Eles têm essa mania de comer tarde e a gente precisa se alimentar. Ainda bem que não comeram pizza naquele dia. Calabresa me dá uma azia violenta.

- Pra mim é alho.

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-  Pior que alho e calabresa é irem pros passeios e esquecerem que estamos aqui no isolamento.

- Isolamento...

- Para de repetir o que eu falo, odeio isso.

- Não, é que eu tive um pensamento...

- Qual?

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- E se eles estiverem num isolamento também, tipo o nosso?

- Por que?

-  Ué, pelo estávamos falando agora: o silêncio lá fora.

- Hummm, a coisa está mesmo muita quieta. Mas por que teriam que ficar em casa?

- Sei lá, não tinha um cara maluco, de um país lá longe, que queria jogar um bomba aqui?

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- Bomba, não foi. Se jogassem, a gente teria ouvido.

- E morrido.

- Claro, né? Mas aí tem coisa. Não ouço mais nada.

- O mais estranho é a falta daquele ruído de carro passando na rua.

- Pra mim é a voz do cara da pamonha: Pamonhas, Pamonhas, Pamonhas - Pamonhas de Piracicaba!

- É. E o apito do tiozinho que amola facas.

- Nem o tiozinho tem mais.

- Ei, para!

- O quê?

- Para de falar um pouco, para!

- ...

- Tá ouvindo?

- Ouvindo o quê?

- Vamos ficar quietos...cala a tua boca....

- ....

- Parece que está todo mundo batendo...

- Batendo panelas!!!!!

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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