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Opinião|Mais uma crônica sobre falta de assunto crônica

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Atualização:

O tema favorito dos cronistas reelaborado, só mais essa vez.

 

(Clker-Free-Vector-Images por Pixabay)  

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Tenho 15 minutos para escrever esta crônica.

Reunião presencial de novos procedimentos. Foi necessário andar 800 metros, sob chuva, até aportar no local marcado. Acabei chegando em cima da hora.

Tinha me proposto a fazer exercícios três vezes por semana e o encontro, marcado de última hora, botou a saúde em segundo plano. Sou da categoria de pessoas que carecem de uma certa planificação para iniciar qualquer coisa na vida. Da compra de um imóvel a treinos esportivos. Tinha planejado começar as tais atividades físicas nessa segunda-feira. Com isso garantiria um dia útil de caminhada já no início da semana. E, os outros dois treinamentos, ficariam para sábado e domingo, quando tudo está um pouco mais calmo.

Infelizmente está cada vez mais difícil prometer-se algo. Numa pandemia então... Quando muito é um chat mais longo num Google Meet da vida.

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Minha mãe é idosa, mora no interior, a última vez que falei com ela foi no Ano Novo. Ela se queixa bastante, mas acabou tendo que, aos 90 anos, entrar no WhatsApp para charlar com o filho. É incrível como aprendeu rápido a usar emojis e a enviar GIF's com mensagens do papa Francisco.

Em função desse "rush" também não consigo ler. A leitura ficou reduzida a manchetes de portais da internet e a um ou dois parágrafos de posts jornalísticos. Logo eu que cheguei a devorar Guerra e Paz durante uma recuperação de cirurgia.

É comum dizerem que os livros são tudo para o cronista. Leitura e vivência. Como não tenho mais contato com nenhuma das duas, preciso inventar artifícios para entregar meus materiais aos órgãos de imprensa. Fazer aquilo que sempre critiquei no gênero: a narrativa palavra puxa palavra.

Tudo bem que Rubem Braga, com sua vasta experiência na II Grande Guerra e no corpo diplomático, podia se dar ao luxo de produzir o que quisesse. Tudo ótimo que James Joyce, com seus neologismos geniais, teria a licença de conceber linhas que nem a Nora Barnacle entendesse. No meu caso, criar algo que renego, em função da mais prosaica falta de tempo, vem com gosto amargo de derrota.

É triste, mas não há muito a ser feito. A reunião começou atrasada e vai ultrapassar a hora do almoço. Como sempre não acontecerá nada que mude o futuro da humanidade, no entanto, sou daqueles que não consegue escrever nas pausas entre jobs. Fico me sentindo culpado e paranoico, imaginando que alguém pode perceber que não estou focado nas problemáticas, sem solucionáticas, do comitê.

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A ideia inicial desta crônica eu já pinçara entre várias outras. Seria a história de um engenheiro do Google que inventou um incrível aplicativo no qual podia-se comprar créditos de tempo. Isso mesmo, como quem compra créditos de celular pré-pago.

Mal consegui desenvolver o esboço do argumento. Sobrou apenas esse tempo exíguo que estou acabando de queimar agora. Se existisse o tal app eu já o teria instalado em meu celular e talvez logrado postar algo com mais qualidade literária e dentro das regras da arte.

Fica para uma próxima, quando eu tiver mais do que 15 minutos para escrever uma crônica.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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