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Self-service de humor

Opinião|Historinhas sem compromisso

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Atualização:

I- 

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Ele estava olhando pra garota há uns três meses. A bem da verdade babava.

Ela passava no corredor do escritório naquela malemolência das mulheres que sabem que são bonitas e os olhos dele quase saiam das órbitas. No café, no xerox, no elevador a secava direto.

Mas mantinha-se aquele limbo das relações humanas. Ela parecia, de alguma forma, saber do interesse dele. Mas não manifestava nenhuma reação que pudesse disparar uma iniciativa mais efetiva de intimidade.

Um fim de tarde houve uma festa junina no jardim da firma. Ele ficou num canto mirando-a com olhar pidão. E, para aplacar a dor, ia petiscando pinhões e pinhões com cerveja quente. Ela sorria aquele riso das beldades, linda e plena, como se nada ocorresse no entorno.

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Ali pelas oito da noite, uma chuva interrompeu o arraial corporativo e ele foi buscar o carro na garagem. Os pinhões e a cerveja o empachavam horrivelmente. E, sem querer, ao sentar-se no banco do veículo soltou fétidos e estrepitosos gases provocados pela recente ingesta.

O cheiro de enxofre invadiu o interior, putrefazendo tudo. Ele acelerou com vontade e saiu para a calçada com os vidros fechados por causa dos pingos que caíam com força. O odor beirava o insuportável, fazendo-o engulhar.

Quando ganhou a rua viu a cena que o marcaria para sempre: ela - sozinha, úmida e sorridente - fazendo sinal de carona para ele com o polegar estendido.

Desesperado e, em dúvida se parava ou seguia, pisou com tudo e lançou água e lama em cima da ex-futura musa.

Nunca um flato foi tão letal à comunhão de almas.

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II- 

- Alô, estou com uma lista de exames, a senhora poderia me informar os procedimentos?

- Pois não, o senhor está com o nome dos exames?

- O primeiro é um de hormônio p...hummm, não consigo entender a letra do médico...

- Teria como fotografar o pedido e mandar por e-mail para mim?

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- Sim.

- O e-mail está no nosso site.

- Eu vi aqui, estou com o computador na minha frente, vou enviar já.

- Ok, recebi.

- Ok.

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- Ai, ai, também não entendi o que vem depois do "p". Vou ver se o biomédico de plantão me ajuda.

- Certo.

- ...

- Ele entendeu a letra do médico?

- ...

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- Senhora, por favor, me diga: ele entendeu a letra do médico?

- Perdão, ele não entendeu também. Mandei a solicitação para o SAC do laboratório.

- Mas o que eu faço agora?

- Olha, provavelmente é um exame de próstata. Então, por esses dias, evite ejacular. Só isso. Se for outra coisa avisamos e o senhor então ejacula normalmente, certo? Posso ajudar em mais alguma coisa?

III- 

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O namoro era recentíssimo. Aquela era a primeira noite em que ia ao apartamento dela. A namorada o recebeu de roupão, pediu que relaxasse no sofá da sala que estaria pronta em minutos. Sentou-se, pegou uma revista. Mas não ficou 100% confortável. Talvez a ponta de alguma almofada estivesse atrapalhando a ergonometria. Esperou intermináveis minutos até ouvir o ruído do secador de cabelos dela entrar em ação. Só então levantou-se pra conferir o que tanto incomodava seus fundilhos. Para seu terror íntimo, era um filhote de micropoodle, da mesma cor do sofá, no qual ele havia se sentado pesadamente. E matado.

Ficou mirando o animalzinho inerte na palma da mão direita trêmula. Como explicar dali a uns minutos aquele inesperado infanticídio?

Meteu o cachorro no bolso da calça, abriu a porta do apartamento, depois a do elevador, depois a da portaria, depois a do carro e nunca mais voltou.

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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