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Self-service de humor

Opinião|Minha terra tem palmeiras, onde escreve o sabiá

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Atualização:

Não é o tamanho do coração que faz o sentimento.

 

(Pixabay)  

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Na época, eu não sabia por que chamavam cronistas de sabiás. Certa manhã, sentadinho num galho do parque, ouvi um casal atribuindo a alcunha a Rubem Braga. Pela conversa também soube que o escritor capixaba adorava deitar falação sobre todo tipo de passarinho: corrupião, tiê, sanhaço, corruíra, rolinha roxa. Mas que, nós os sabiás, eram os mais lembrados.

Aquilo mexeu comigo, sabe? Não é o tamanho do coração que faz o sentimento. Foi realmente uma comoção grandiosa, de mover todos os tucanos da Amazônia rumo à Floresta Negra. E, ainda mais, se levarmos em conta que boa parte dos humanos prefere mesmo é usar o bodoque na gente, não a prosa poética do velho Braga.

Teimosos são os quero-queros, mas, devo admitir, tenho um pouco do DNA deles. Pois não é que comecei a tentar encontrar um meio de homenagear o autor que vivia exaltando as avezinhas?

Se Tom Jobim estivesse entre nós seria fácil encontrar uma louvação adequada ao nosso passarinheiro soberano. Era pousar em sua janela, soltar uns trinados em allegro vivace, e pronto: Tom pegaria o tom e já proporia algo simples e elevado.

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O jeito foi fazer uma reunião na mata com primos próximos e distantes. Houve até um belo quórum. Aterrissou um passaredo na campina; de beija-flor a urubu, de cardeal a tuiuiú.

Numa alvorada úmida abri os trabalhos explanando à passarada minha ideia central: que tal se formássemos um enorme coral, voássemos até o teto do prédio onde morou o bardo da crônica e entoássemos algumas do Goldberg Variations? Para deixar mais no popular, repeti a explicação usando um exemplo bem conhecido:

- Seria como um Rooftop Concert, dos Beatles, só que no Rio de Janeiro e com pássaros.

Acreditava piamente que haveria gorjeios de empolgação. Mas só não ocorreu um silêncio ensurdecedor porque uma arara cismou que um carcará estava de olho em sua cria e partiu para a ignorância aos urros.

Depois do "deixa disso", voltamos às conversações. A coruja levantou a asa pedindo a palavra:

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- A ideia é justa e criativa - elogiou. Para depois acrescentar com a costumeira ponderação dos titonídeos:

- Por outro lado, sabiá amigo, fazer um show tipo Rooftop Concert, hoje em dia, seria impossível.

Uma gralha berrou lá da última fileira:

- Concordoooooo cooom aaaa corujaaaaaaa!

Tuiuiú veio até meu lado e, com sua fisionomia diplomática, colocou seu ponto de vista:

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 - Coruja disse bem. O deslocamento, com essa inflação, seria impraticável. Hospedagem carioca, alguns aqui como pombas e tico-ticos sabem: é pela hora da morte. E íamos comer o quê? Já viram quanto está 100 gramas de alpiste no supermercado?

Foi a gota d'água que encheu o copo de argumentos contra a minha proposta. Cada um voou para seus ninhos e as reverências ao cronista ficaram para o dia de são nunca à tarde.

Mas, como disse, possuo um tiquinho da teima dos quero-queros. Quando todos bateram asas, bolei um Plano B. Vou ver se o Estadão aceita minha pauta e passa para aquela Crônica por quilo repercutir. Sai cada coisa surreal ali, por que não falariam de um sabiá querendo ser grato ao Rubem Braga?

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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