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Opinião|Caindo no grupo escolar

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Atualização:

"Todas as guerras são infantis e desencadeadas por crianças."

(Herman Melville)

(Pixabay)  

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Professor é sagrado, linhas educativas não. Que me perdoem as escolas modernosas, mas seus métodos não me representam.

Durante um tempo tentamos esse sistema com nosso filho mais velho. Eu particularmente topei porque, apesar do altíssimo preço da mensalidade, havia a promessa de que, a médio prazo, o garoto se satisfaria em brincar até com um pedaço de clipe amassado. Considerando os preços da Ri Happy, a vantagem, a longo prazo, poderia compensar.

Foi quando aconteceu uma festa junina na escola. O horário de chegada e o cardápio foram bem estranhos: seis da manhã e cará grelhado com quentão de chá verde.

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Quando sentei-me numa banco de madeira (de floresta cultivada) veio uma coordenadora - com aquele jeito politicamente correto que só os pedagogos modernosos têm - e me entregou uma pá. Achei que fosse engano, ela teria me confundido com o jardineiro? Só que não. Foi logo dizendo:

- O senhor foi sorteado para a Seção de Fundação e Aterramento do arraiá.

Fiquei sem entender, mas ela explicou:

- Aqui os pais também fazem a sua parte na festa. É exemplo pras nossas crianças.

Eu e mais quatro pais, cavamos das seis e quinze da manhã até às duas da tarde. A seção de Construção colocou as estruturas de madeira (de floresta cultivada) do arraiá em seguida. E nós aterramos tudo.

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A garotada dançou quadrilha e todos se sentiram partícipes. Menos eu. Deixei cair a pá sobre o dedo anular e tive que ficar em observação na Enfermaria. Nem pude ver o filho, vestido de caipira, debaixo do teto que ergui com o que restou de minhas mãos.

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Decidimos não repetir a experiência com o filho caçula: o matriculamos numa escola cívico-militar. Olhando hoje para a decisão, ela nos parece um pouco precipitada, mas o trauma com a construção do arraiá foi marcante.

Para se ter uma ideia das diferenças entre as duas propostas, tomemos a última festa junina na escola do mais novo. O evento também começou às seis da manhã. Só que, antes de mais nada, foi tocado o Hino Nacional. Em seguida, todos tiveram de pagar 120 flexões de braço, inclusive os idosos. Só então deram início às atividades. Detalhe: sem nem um cafezinho preto para aquecer o estômago.

O professor de Educação Física, conhecido por todos como sargento Caveirão, dividiu as famílias em dois grupos. Recebemos rifles de paintball para a simulação de guerra. Antes de sair do "campo de batalha", Caveirão lançou meia dúzia de bombas de gás lacrimogêneo no pátio. Declarou que a sorte estava lançada: quem eliminasse mais inimigos comeria na festa junina, quem morresse ficaria preso numa jaula improvisada no almoxarifado - sem rancho.

Não é preciso ler Winnicott para ter consciência das complexidades do ser humano. Agora imaginem um vivente, sob pressão, e com a perspectiva de não almoçar. Sim, ele é capaz de tudo.

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Ali pelas 14h15 lembro-me de dona Elza - avó do Victor da 2ª C - fazendo coisas impensáveis. Depois de me acertar uma bala roxa e úmida nas costas, a fim de sinalizar que matara um oponente, passou a me surrar com o cabo do seu fuzil.

Vó Elza foi condecorada pelo sargento Caveirão com a estrela de Honra ao Mérito Escolar. Já eu acabei ficando enjaulado no almoxarifado até o fim das comemorações - sem rancho.

Mas, tudo bem, perdoei.  Educar também é frustrar expectativas. Como almoçar todo dia, por exemplo.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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