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Opinião|B.O.

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Atualização:

A primeira vítima compareceu a esta Unidade Policial para informar que fora subtraída de seus bens.

(Imagem de Gordon Johnson por Pixabay)  

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A primeira vítima compareceu a esta Unidade Policial para informar que fora subtraída de seus bens. Relatou que vinha caminhando até o estacionamento onde deixara o veículo. A poucos metros da entrada do referido estabelecimento, foi abordada por um rapaz. Este passou a destratá-la verbalmente com palavras de baixo calão. 

A comunicante referiu ainda que o autor do furto não aceitou sua carteira com cartões de crédito e dinheiro. Disse que queria o livro O Som e a Fúria, de autoria do norte-americano William Faulkner. O livro estava sob a axila esquerda da vítima. Se a depoente não o entregasse na hora, seria retalhada por uma peixeira que o meliante trazia no interior do casaco. 

Após a entrega da obra, o punguista pulou na garupa de uma motocicleta, fugindo do local na companhia de um comparsa.

Situação semelhante foi relatada por outra vítima. Disse que se encontrava em casa, à noite, na companhia da amásia. Que assistiam ao filme O Demônio das Onze Horas, do realizador francês Jean Luc Godard. Foi quando ouviram um ruído na parte externa da residência. Afirmou o declarante que, munido de uma lanterna, se dirigiu ao jardim. Que, ao iluminar a área, viu três mascarados. Os elementos, ao perceberem sua presença, o amarraram e amordaçaram. Em seguida, entraram na casa. Aos gritos e ameaças, exigiram que sua camarada mostrasse onde ficava a biblioteca. Após a vítima os conduzir ao local, o bando passou a empilhar as brochuras no chão. 

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Todavia, explicou o casal, eles davam preferência a obras de autores como William Shakespeare, Thomas Mann, Marcel Proust e Jorge Luis Borges. Segundo os mesmos, o momento de maior perigo foi quando um dos marginais passou a pressioná-los para que revelassem onde estavam as obras do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. 

Disse a reclamante que não se recordava das mencionadas edições na biblioteca. Que haveria apenas alguns volumes de Jean-François Lyotard. Um dos assaltantes, confirmou a vítima, começou a surrar seu companheiro com uma edição capa dura de Na margem do rio Piedra, eu sentei e chorei, do escritor brasileiro Paulo Coelho. 

Contou o amasiado que, ao ouvirem naquele instante, o apito do guarda-noturno, os delinquentes decidiram levar os livros selecionados, e ainda o de Lyotard, escapando pelo muro traseiro da residência. Relatou o mesmo que fugiram numa van lotada de obras literárias. Antes de partirem, declarou a amancebada, descarregaram suas armas em livros de autoajuda que estavam separados para doação.

Uma derradeira vítima também compareceu a esta Unidade Policial para lavrar um boletim de ocorrência sobre um "sequestro-relâmpago". O ocorrido teve lugar na mesma semana dos relatos acima. O indivíduo confirmou que estava em sua bicicleta quando foi abordado por um carro. Que foi obrigado a entrar no referido automóvel e se dirigir à uma livraria com três malfeitores. Um deles adentrou com a vítima na seção de Literatura. Ali, sempre ameaçado por uma arma que o bandido trazia no bolso do paletó, relatou que teve de escolher os livros que o mesmo ia solicitando em voz baixa. Afirmou que foram seis títulos: três do norte-americano Donald Barthelme, dois da contista estadunidense Flannery O'Connor e um do poeta brasileiro Manoel de Barros. Em seguida, foram até o caixa e a vítima obrigada a pagar a compra com seu cartão de crédito. 

Os casos denunciados foram encaminhados à Secretaria Especial de Cultura que os arquivou e incinerou.

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Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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