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Self-service de humor

Opinião|As rosas falam

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Atualização:

Os primeiros dias de pandemia não foram fáceis. Mas agora sinto-me pleno.

 

(Pixabay)  

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Eu era aquela pessoa que não suportava ficar consigo mesma. Vivia inventando algo para estar com os outros: festas, baladas, aniversários, casamentos, viagens em grupo. Mesmo sendo católico, todo ano ia às festas de Rosh Hashaná dos amigos israelitas. Ou comparecia às comemorações do terreiro aqui no bairro. Tudo para não ficar isolado em meu apartamento.

Com a pandemia estou há mais de um ano fechado em casa.

No começo pensei que ia pirar. Não digo que os primeiros dias foram fáceis. Contudo, agora posso afirmar que estou estabilizado. Mais: sinto-me pleno.

O isolamento pode ser ruim do ponto de vista social. Por outro lado, traz uma liberdade quase absoluta. Como muita gente, em primeiro lugar, passei a me libertar dos hábitos higiênicos do dia a dia. Há meses não tomo banho. Também estou com a mesma roupa que usei no meu aniversário em abril de 2020. Tenho uma superstição de que ela me traz sorte, então nunca mais a tirei do corpo.

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No Ano Novo preparei uma picanha ao forno. Cortei alguns nacos dela, comi com farinha, usando as mãos. Em seguida tirei o terceiro cochilo do dia. Semanas depois lembrei-me do forno e vocês não acreditam: havia nascido uma samambaia lá dentro. E tanta gente dizendo que não há beleza na quarentena. É mentira, o vírus pode não entrar em casa, mas a Natureza entra.

Decidi colocar a picanha com a planta num vaso na sala. Sabe que deu um toque original ao ambiente? Rego duas vezes ao dia e, apesar do odor, fico extasiado olhando aqueles cachos despencando como uma queda d'água pelo piso.

De uns dias para cá, Verdelena -- eu a chamo assim -- deu para conversar comigo. Eu estava tirando uma sesta e ouvi um "psiu!". Daí em diante, ela se tornou a minha grande companhia na peste.

-- Ei, posso te pedir uma coisa? -- disse Verdelena, hora dessas.

-- Claro, minha flor -- consenti.

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-- Sabe, eu me sinto tão sozinha sem uma companhia vegetal -- declarou a pteridófita em tom choroso.

O que faria qualquer ser humano em meu lugar? Preparei na hora um bolo de carne e meti no forno. Dali a uns dias despontou Verdeduardo, o primeiro companheiro de Verdelena. Hoje já são 12 vegetais na sala -- e vocês não imaginam os diálogos. Meu tugúrio tornou-se um aprazível sarau 24/7. Falamos sobre tudo e todos. Já teve até casamento e nascimento de novos fetos.

Agora, me desculpem, mas vou ter que parar por aqui porque o filhinho do Verdeduardo tá de recuperação.

 

 

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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