Biografias possíveis: Alaor do Repinique.
Ilustração: Honoré Daumier
Alaor do Repinique deixou-nos ontem aos 103 anos. Foi um dos maiores nomes do samba paulistano, obreando-se com Adoniran Barbosa, Caco Velho e Germano Mathias. Entretanto, por ser homem que preferia os bastidores aos palcos, passou pela vida cultural como uma estrela cadente: brilhante, mas despercebido.
Apesar disso, a trajetória desse meteoro musical não pode ser associada ao tédio. Já nos anos 1940, Alaor foi de São Paulo para Hollywood como ritmista de Carmen Miranda. Bateu de ganzá a pandeiro em 14 filmes, na United, MGM e Paramount.
Mas a presença de Alaor no Bando da Lua é sempre contestada, visto que seu nome nunca esteve ligado oficialmente ao grupo liderado pelo músico Aloysio de Oliveira.
Acontece que ele, por causa de seu célebre retraimento, sempre buscou esconder-se da fama. Um exemplo do fato é a sua "aparição" no filme Entre a Loura e a Morena. Num dos números musicais, ele toca seu agogô escondido atrás de uma enorme penca de bananas.
Já em Romance Carioca, de 1950, Alaor mais uma vez demonstrou sua decantada aversão aos holofotes: preferiu acompanhar Carmen encafuado dentro do longo vestido de debruns da estrela.
Em 1962, Aloysio de Oliveira fundou a gravadora Elenco com Alaor. Nela decolaria uma constelação de estrelas para o mercado americano, entre eles Dorival Caymmi. Só que paradoxalmente, em meio ao auge de sua carreira nos Estados Unidos, o sambista achou que era hora de voltar a São Paulo.
Em 1963 completou 50 anos em sua casa do Cambuci.
Ali, num almoço regado a parati, foi apresentado ao jovem Chico Buarque pelo parceiro Paulo Vanzolini.
Dizem os presentes, que saindo da residência do grande ritmista, Chico teve a centelha para a letra de Construção e, a partir dali, virou um lutador pelos direitos civis durante o período de exceção no Brasil.
Em 2013 conheci Alaor num bar da Vila Madalena. Era um show em homenagem a seu centenário. Quando fui ao W.C., encontrei-o vendo a bateria da Vai Vai executando um tema seu. Mantendo a tradição de acanhamento presenciava o batuque escondido, pela fresta da porta do banheiro.
A partir daquela data passamos a dividir nossas timidezes. Apesar da idade avançada do mestre chegamos a compor algumas canções em parceria. A derradeira foi a abaixo, que Alaor do Repinique sonhava ver interpretada durante as Olimpíadas Rio 2016.
Como dizia o Vadico: "no fundo é um pândego esse Alaor."
AMOR OLÍMPICO
O nosso amor
É uma competição esportiva
Cada jogada é decisiva
E influi no cômputo geral
Nosso amor é anormal
O seu beijo
Vale por uma raquetada
O seu abraço é uma espada
Que esgrima com o meu punhal
Você é louca
Pra abusar da violência
Só de um juiz, eu sinto ausência
Para apitar os seus penais
Lá nas jogadas principais
Nesse basquete
Só porque arremesso errado
Vou logo sendo o culpado
Pelo fracasso nas finais
Não jogo nunca mais
Vou me queixar
A um membro da Federação
Pedindo a sua expulsão
Dos quadros residenciais
Você é sutil
Tal qual um halterofilista
Mais sensual que um pugilista
E eu não nasci pra ser atleta
Eu não sei dar nem bicicleta
O nosso amor
Só deu escore negativo
Nessa Olimpíada, eu perdi por W.O.
Tirei o time ser ter dó
Não tenho espírito esportivo