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Opinião|A vida em cheque dos talões

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Atualização:

A 'rachadinha' como ela é.

Csaba Nagy por Pixabay  

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Eu estava matando o tempo com o colega. É o que a gente mais pratica, ficar papeando na falta do que fazer. Ele, como eu, está só com uma folha. Sabe-se lá como só nós dois fomos sobrar da montanha de cheques que o Fabrício passou. Tem coisas que a razão, nem a contabilidade explicam. Certa hora, o amigo talão me soltou esta:

- Ei, será que nunca mais vão voltar aqui pra assinarem a gente?

Ele ainda tinha esperança de cair na conta de alguém. Eu não. Depois da repercussão toda nas redes sociais, acho impossível pegarem o que sobrou de dois talonários velhos e depositarem na conta do Flavinho, da Mi, ou do capitão. A coisa fedeu demais, inviabilizou geral.

De mais a mais, tem o preconceito com os cheques. A gente é o 'Melhor Idade' da economia. Todo mundo diz que ainda temos valor, mas nunca nos empregam. Preferem mil vezes usar cartão, celular, do que o velho e bom papel. Só numa exceção como a rachadinha, mas o checão está ficando cada vez mais raro.

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Falei então para o talonário:

- Relaxa, cara. Lá fora, pandemia, escândalos, tornozeleiras eletrônicas. Estamos aqui, sussas, numa gaveta trancada. Estressar pra quê, meu velho?

Ele, porém, sempre foi teimoso. Quando escreve um lembrete no canhoto, já era. Nem determinação do Banco Central faz ele facilitar as coisas. Continuou naquele blá-blá-blá por um tempão. Eu me fechei em capa, e em copas, para nem ouvir, odeio cheque chorãozinho.

Foi quando abriram a porta do escritório de supetão.

Pela voz era o advogado do Fabrício. Começou a falar com outra pessoa e a empurrar móveis, armários, mesas. O clima não sugeria nada de bom. A única coisa positiva foi o colega ter parado de reclamar.

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Pelo que deu para entender dos diálogos, os homens precisavam fazer urgentemente uma queima de arquivo. Quer dizer, tudo o que estava na casa deveria desaparecer como se nunca tivesse existido.

Naquele momento me surgiu um filme na ideia. Minha confecção na gráfica, o funcionário conferindo se eu estava com as 20 folhas certinhas, todas as vezes em que o Fabrício me assinou animado (sim, dá para a gente perceber o sentimento da pessoa no instante em que coloca a rubrica). Depois veio a entrada na gaveta, o silêncio me abraçando - apesar desse falastrão junto comigo.

Como eu prenunciava destrancaram a gaveta. A mãozona do advogado vasculhou cada canto e logo achou o outro talão e eu. Foi aí que rasg...

 

 

 

 

 

 

 

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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