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Opinião|A rebelião das muriçocas

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Uma nova guerra começou.

 Foto: Estadão

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(Foto: Carlos Castelo)

Não sei na casa de vocês, mas na minha os pernilongos estão levando a melhor. Desde que começaram a falar em dengue, zika e chicungunha que usamos os mais potentes inseticidas do mercado. Instalamos os elétricos nas tomadas de todas as dependências porque, além do casal, há duas crianças pequenas que habitam o lar. Ninguém quer brincar com tais vírus tão potencialmente lesivos à saúde e, por isso, redobramos a atenção com os sobrevoos.

Durante o ano passado quase inteiro, se instalados os aparelhos "Noites Tranquilas", não aparecia sequer uma mosca de fruta. Mas quando entrou dezembro, mesmo com tudo em cima, alguns mosquitos deram o ar de sua desgraça.

Percebendo a insubmissão comprei uma lata de veneno ainda mais forte. Aplicava todas as vezes que os filhos iam para a escola e nós para o trabalho.

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A situação aquietou-se por duas semanas. Mas, durante a ceia de Natal, quando ia colocar uma garfada de tender e abacaxi na boca, uma enorme muriçoca se enfiou junto em minha goela.

Era o que faltava para que adquiríssemos uma raquete mata-bicuda. Confesso que estávamos evitando o método em questão que, para os pernilongos e afins, deve ser algo como colocar o Torquemada para negociar uma insurreição de presídio. Todavia, os ataques estavam ficando cada vez mais frequentes, ousados e não se deve pactuar com terroristas, é sabido.

Noite dessas, assistindo à segunda temporada de The Affair, a muriçoca-alfa veio em minha direção. A noite estava quentíssima, as luzes acesas e ela vindo, ameaçadora, ignorando totalmente o alto grau de toxidez da sala (parece imune a tudo essa geração de feras).

Ainda não foi comprovada por metodologia científica a comunicação verbal entre bichos e homens. Mas aquele ser alado estava praticamente me dizendo na cara: "sai do meu território, infiel!"

Puxei da letal raquete, esperei estabelecer-se um ângulo mais adequado para o "saque" e a peguei em cheio, numa espécie de voleio desajeitado.

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Os momentos seguintes foram aqueles em que, quando determinados vídeos aparecem no Youtube, surge um aviso: "as imagens a seguir podem ser chocantes".

A muriçoca-alfa caiu nos gradis da raquete e pererecou, para cima e para baixo, como um milho de pipoca deitada no óleo fervente. O ruído do choque e as faíscas completaram o quadro aterrador.

Houve uma trégua de exatas 48 horas. Mesmo sem a presença de nenhum inseticida nos cômodos, os odiosos animaizinhos não davam mais o ar de sua desgraça.

Anteontem consumou-se o ataque final. Se nossa residência fosse uma ilha no Havaí chamada Pearl Harbor e os pernilongos aviões de guerra, a carnificina não seria tão gigantesca.

Os bichos vieram em massa, atropelando-nos como pedestres nos calçadões de Nice. O ruído das asas era um zumbido tétrico, ignoravam sprayadas de DDT e raquetadas de alta voltagem.

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Levei uma picada na porção posterior tão violenta que minhas costas estão parecendo a bandeira do Japão.

Depois de conversar com a esposa e as crianças, decidimos hastear bandeira branca. Ao notarmos que seríamos exterminados optamos por um armistício e recuamos.

Os pernilongos ficaram com a sala, a cozinha e os quartos. O quintal e a área de serviço com as baratas e as marias-fedidas. Nós passamos a morar nos banheiros. Ao menos, nesse calorão, dá pra tomar quantos banhos frios a gente quiser pra refrescar os chupões.

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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